Almanaque A a Z
Uma lista para acompanhar a Copa dentro e fora de campo, da primeira à última página
Alfabeto cirílico
Para quem vai à Rússia, e mesmo para quem pretende acompanhar a Copa pela televisão, uma brevíssima pílula de informação vernacular. O que significa a seguinte expressão, em russo, grafada em cirílico: Aж сердце схватило (Aj siérdtse skhvatilo)? É o “haja coração”, o já clássico bordão de Galvão Bueno, repetido nos últimos seis Mundiais. Aж сердце схватило!
Bola
Como sempre acontece de quatro em quatro anos, muito será falado sobre ela nos primeiros dias — os goleiros dirão que está leve demais, os atacantes reclamarão da trajetória tortuosa depois de um chute, muito se louvará a extraordinária tecnologia nela embutida e blá-blá-blá. Mas, passado o susto inicial, atravessado o esforço de marketing da largada, logo a Telstar — eis o nome escolhido para ela nesta Copa — quase sumirá nos gramados, invisível, apesar de ser o objeto sem o qual não haveria futebol.
Canarinho pistola
Nunca se viu uma mascote tão emburrada quanto o pássaro amarelo que a CBF apresentou há dois anos, com pompa e circunstância. Talvez ainda estivesse triste e decepcionado com o 7 a 1 da Alemanha, em 2014.
Na internet, onde tudo vira meme, tudo é viral até que deixe de sê-lo, a ave que nunca sorri ganhou um aposto e virou o “canarinho pistola”. Pistola, uma das gírias da hora, define alguém nervoso, enfezado, “pê” da vida. Para o caso de derrota brasileira na Rússia, já há a quem apelar.
De Bruyne
O treinador Pep Guardiola, do Manchester City, tem a mais perfeita definição de um de seus comandados, o meia-atacante belga Kevin De Bruyne. “Quando a gente fala do Messi, ele talvez esteja sozinho na primeira fila, mas o Kevin pode estar logo atrás”, diz Guardiola.
Aos 26 anos, De Bruyne é um dos candidatos à Bola de Ouro de 2018. Missão complicada. Para estar na mesma fila de Messi ou de Cristiano Ronaldo, ele precisaria levar a Bélgica ao título mundial. Nisso ninguém acredita. A Bélgica estreia contra o Panamá na segunda-feira 18, ao meio-dia, no horário de Brasília.
Estações de metrô de Moscou
No fim das contas, perder-se numa das mais de 200 estações de metrô de Moscou pode ser até bom negócio. Algumas delas valem por museus. O sistema de transporte subterrâneo, inaugurado em 1935, servia de peça de propaganda soviética, ao reunir grandes arquitetos, pintores e escultores. Uma das mais espetaculares é a Komsomólskaia, com 68 colunas de mármore e iluminada por candelabros. O preço da viagem é de 50 rublos, o equivalente a 3 reais.
Faraó
“Mo Salah, o rei egípcio!”, brada a torcida do Liverpool para celebrar seu craque, o atacante Mohamed Salah, de 25 anos, o Faraó, que se recupera de um deslocamento no ombro ocorrido na fim da Liga dos Campeões. Simpático, ele é dado a milagres com gols — foram 44 pelo clube inglês apenas em 2018, à frente de Messi e de CR7 na artilharia europeia. Foi Salah — com a ajuda do brasileiro Roberto Firmino — quem levou o Liverpool à finalíssima da Liga, o que não ocorria desde 2007. Pela seleção de seu país, quebrou tabu ainda maior: graças a um pênalti convertido por Salah, o Egito voltou a uma Copa do Mundo após 28 anos de ausência. O Egito estreia contra o Uruguai na sexta-feira 15, às 9 horas, no horário de Brasília.
Griezmann
O rosto imberbe faz o francês Antoine Griezmann parecer ainda um adolescente. Mas não se deixe enganar pelo gestual de garoto — ele é adepto da comemoração hang loose, à Ronaldinho Gaúcho. O atacante gaulês já tem 27 anos e chega à Rússia com a responsabilidade de conduzir seus jovens companheiros, como Mbappé e Dembélé, ao sonhado bicampeonato mundial. Griezmann acaba de ser campeão da Liga Europa, o segundo torneio de clubes mais importante do continente, com o Atlético de Madrid, marcando dois gols na final. A França estreia contra a Austrália no sábado 16, às 7 horas, no horário de Brasília.
Hexa
Como nas últimas três edições da Copa, apenas a seleção brasileira pode alcançar a sexta estrela no uniforme. Mas é bom abrir o olho: caso a Alemanha vença novamente, o time verde e amarelo ganhará companhia na condição de campeão mundial com cinco títulos.
Iniesta
O ano de 2018 ficará marcado na carreira do meia Andrés Iniesta como a temporada das despedidas. Depois de 22 invernos defendendo o azul-grená do Barcelona, o craque espanhol disse adeus ao único clube que defendeu na vida — na próxima temporada, tratará de engordar sua aposentadoria jogando por um time japonês, o Vissel Kobe. Autor do gol que deu o único título mundial à sua seleção, em 2010, o jogador de 34 anos também deve fazer na Rússia sua quarta e última participação em Copas. E Iniesta quer limpar a má impressão deixada pelos espanhóis no Mundial de 2014, no Brasil, quando chegaram como campeões e foram eliminados ainda na primeira fase. Espanha e Portugal abrem seu grupo na sexta-feira 15, às 15 horas, no horário de Brasília.
Joachim Löw
Desde o italiano Vittorio Pozzo, campeão mundial em 1934 e 1938, nenhum treinador se sagrou vencedor em duas Copas consecutivas. O atual técnico dos alemães tem boas chances de igualar o feito. Löw era o treinador alemão no 7 a 1. A Alemanha estreia contra o México no domingo 17, ao meio-dia, no horário de Brasília.
Korrúptsia
Essa nem precisa de tradução. De acordo com a Transparência Internacional, o país anfitrião da Copa ocupou no ano passado a 135ª colocação entre 180 nações avaliadas pelo Índice da Percepção da Corrupção Global — o Brasil está em 96º lugar no mesmo ranking. Quanto mais baixa a colocação, maior a taxa de propina desenfreada.
Lujniki
Cenário do jogo de abertura e da final, o principal estádio da Copa foi inaugurado em 1956, como Estádio Central Lenin. Foi palco de um momento inesquecível. Na Olimpíada de 1980, foi em sua arquibancada que o ursinho Misha, mascote daquela edição, derramou lindas lágrimas durante a cerimônia de encerramento dos Jogos. A reforma começou em 2013 e só terminou no ano passado, a tempo da Copa das Confederações. Tem capacidade para 81 000 pessoas.
Messi
Basta escrever Messi, e muito mais não há a relatar. A não ser que, caso leve a taça para a Argentina, ele expelirá do glossário universal dos craques eternos o representante vitalício da letra M, Maradona, campeão do mundo em 1986.
Noites brancas
Nos dias próximos ao solstício de verão no Hemisfério Norte (21 de junho), o sol insiste em não se esconder além do horizonte. Em São Petersburgo, o fenômeno é atração turística. Noites Brancas é também uma pequena e comovente história de amor de Dostoiévski.
Ovo Fabergé
No vasto repertório artístico da Rússia, um elemento se destaca pela opulência. Os delicadíssimos ovos criados no ateliê de Peter Carl Fabergé (1846-1920), o joalheiro oficial do clã Romanov, que comandou a Rússia até 1917. A história conta que o primeiro dos cinquenta ovos imperiais foi forjado a pedido do czar Alexandre III (1845-1894) como presente de Páscoa a sua esposa, Maria Feodorovna. Depois da Revolução Bolchevique, a maior parte dessas preciosidades foi confiscada pelo governo. Hoje, elas valem milhões.
Puxadinho
A Arena de Ecaterimburgo, que receberá quatro jogos da Copa, ganhou um feioso anexo provisório, com arquibancadas metálicas posicionadas para além de suas linhas originais, o que ampliou sua capacidade de 27 000 para 35 000 torcedores. Recurso semelhante foi usado no Itaquerão, em 2014.
Quilometragem
A dimensão continental da Rússia, à semelhança do Brasil, obrigará times e torcedores a longas travessias. A seleção brasileira, por exemplo, percorrerá mais de 10 000 quilômetros se chegar à final, em 15 de julho — a equipe de Tite ficará hospedada na cidade de Sochi pelo menos até as oitavas de final, e não fará nenhuma das sete partidas na sede que escolheu.
Ronaldo, o português…
Cristiano é outro que não exige explicação. Basta saber que é o mais carismático jogador da atualidade, o rei da arrogância, uma figura sem a qual a Copa da Rússia perderia a graça. A primeira chance de ver CR7: sexta-feira 15, às 15 horas, no horário de Brasília.
SON
Na Islândia, seus pouco mais de 300 000 habitantes não têm sobrenome. Os cidadãos são conhecidos pelo primeiro nome (e é pela ordem do nome que aparecem nos catálogos telefônicos). Mas carregam um patronímico. Todo mundo é son de alguém. Son, em islandês, é filho. Nas costas da camisa dos jogadores durante a Copa, a Fifa decidiu identificá-los como Magnússon, Sigurdsson, Halldórsson etc. Dos 23 convocados da seleção viking, apenas um, o terceiro goleiro, não é son. É Schram. A Islândia estreia contra a Argentina no sábado 16, às 10 horas, no horário de Brasília.
Tunísia
Foi a primeira seleção africana a vencer um jogo de Copa do Mundo, em 1978, contra o México, por 3 a 1. É bom ficar de olho, portanto. A Tunísia estreia contra a Inglaterra na segunda-feira 18, às 15 horas, no horário de Brasília.
União Soviética
Convém não confundir a Rússia com a URSS. Esta já não existe desde 26 de dezembro de 1991. A Rússia era apenas uma das quinze repúblicas que formavam o bloco soviético. Em Copas do Mundo, o desempenho soviético é muito melhor do que o dos russos isoladamente: em sete participações, a URSS conquistou um quarto lugar em 1966. A Rússia, depois da perestroika e da glasnost, disputou três Mundiais (1994, 2002 e 2014), parando sempre na primeira fase.
VAR
É a sigla em inglês de video assistant referee, o árbitro de vídeo. O sistema será usado pela primeira vez em Copa do Mundo. Testado desde 2016, ele auxiliará o juiz dentro do gramado a tirar dúvidas em quatro situações específicas: na confirmação de um gol, na marcação de pênalti, na utilização direta do cartão vermelho e em caso de confusão na identificação do jogador infrator. Representará o fim das grandes polêmicas? Talvez sim, mas é o caso de esperar para ver.
Xenofobia
Eles não se consideram europeus, tampouco se denominam asiáticos. São, para todos os efeitos, russos. E boa parte da população prefere que a tradítsia russa seja preservada. Esse nacionalismo exacerbado, que encontra no futebol uma caixa de amplificação, por vezes costuma descambar para o racismo. O lateral brasileiro Roberto Carlos foi vítima de cenas de racismo quando jogava na equipe russa do Anzhi, em 2011. Chegou a abandonar um jogo, em protesto. Não houve punição contra os agressores.
Y, a própria letra
O sobrenome Dostoiévski, em russo, é Достоéвский — no fim, as letras И e Й despontam em sequência. A primeira, sem o til, é o nosso i. A segunda é um prolongamento do i, que não existe em português. Em inglês, a transliteração do sobrenome do escritor é Dostoevsky. O y é utilizado porque tem, em inglês, um som mais próximo ao da pronúncia original em russo, que estica o finzinho, como um i longo. Já se cogitou, entre filólogos, transliterar o sobrenome Dostoiévski para Dostoiévskii, com dois is, mas ficaram só na ideia.
Wianey Carlet
Nos idos de 2009, o jornalista gaúcho Wianey Carlet proferiu uma das mais desproporcionais bravatas da crônica esportiva de todo o mundo, em todos os tempos. Em seu blog no Zero Hora, sob o título “Taison ou Messi, o futuro dirá quem foi melhor”, o comentarista quis enaltecer a promessa do Internacional, instalando-o ao lado do gênio argentino. Carlet morreu em setembro do ano passado. Todos os obituários que lhe prestaram merecida homenagem lembraram a bizarra comparação. Se o Brasil se sagrar hexacampeão na Rússia, com o ex-jogador colorado entre os heróis do título, Carlet ganhará, mesmo que post mortem, alguma redenção. Afinal, somente ele poderia dizer algo como: “Taison é campeão do mundo. E Messi?”.
Zabivaka
O simpático lobinho que usa uma espécie de máscara de esqui foi o mais votado na eleição popular que o elegeu a mascote oficial da Copa — ele superou um tigre e um gato. O significado de seu nome é “bola dividida”. A Fifa explica que Zabivaka quer dizer “aquele que marca gols”, mas o verbo zabivat também pode ser entendido como “atacar”. Resultado: os piadistas passaram a descrever o bicho simpático como um perigoso lobo hooligan, afeito a ataques.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2018, edição nº 2586