Agonia sem fim
Em um simulacro de eleição boicotado por opositores e em que muitos cidadãos foram coagidos a votar, Maduro recebe novo mandato
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Nicolás Maduro assegurou, no domingo 20, mais seis anos de mandato à frente da Venezuela. Teve 68% dos votos, num pleito com uma abstenção de 54% do eleitorado, recorde para uma disputa presidencial no país. Isso apesar dos estratagemas ilegais usados para levar as pessoas às urnas: o governo mandou instalar, a poucos metros dos centros de votação, postos de controle onde os beneficiários de cestas básicas e funcionários públicos deveriam comprovar que haviam votado. No Estado de Guárico, houve denúncias de que, nesses postos de controle chamados de “pontos vermelhos”, os cidadãos estavam recebendo a promessa de que ganhariam 5 milhões de bolívares (o equivalente a 5 dólares, ou pouco mais de dois salários mínimos venezuelanos) se fossem votar.
Em quase duas décadas de chavismo, os venezuelanos aprenderam que as tão celebradas eleições do regime não passam de uma alegoria. O pleito da semana passada foi antecipado em sete meses pelo governo para aproveitar um momento em que os principais nomes da oposição estão presos ou impedidos de concorrer por ordem judicial. Entre os líderes opositores detidos, há quem não tenha até hoje recebido uma acusação formal. Nos poucos casos em que se chegou a uma condenação, não se respeitou o devido processo legal, segundo a avaliação da Human Rights Watch e de outras organizações de direitos humanos internacionais. Esse é o motivo que levou os poucos opositores de relevo que ainda estão livres a boicotar o processo eleitoral, que eles julgam viciado na origem.
O casuísmo de Maduro é agravado pela má reputação do sistema eleitoral venezuelano. Em 2003, os chavistas fizeram vazar arquivos do sistema eleitoral — que podiam ser comprados até em camelôs, em qualquer esquina de Caracas. Além dos dados pessoais dos eleitores, o CD trazia as informações de como as pessoas haviam votado em um referendo que poderia ter afastado o então presidente Hugo Chávez do poder. Com isso, a suspeita de que o sigilo do voto podia ser violado foi confirmada — e tudo indica que essa era justamente a intenção do governo, para espalhar pânico e desconfiança. “Depois disso, os venezuelanos passaram a votar com medo, pois sabem que podem ser punidos se forem contra o chavismo”, diz Erick Langer, professor de história da América Latina na Universidade de Georgetown, em Washington.
Nos dias seguintes à votação, Nicolás Maduro desafiou o mundo a provar a “fraude” e disse estar disposto a recontar 100% dos votos. É um desafio de mentirinha porque qualquer auditoria independente validará o resultado, por uma questão simples. A burla não se dá na urna. Como a maioria dos eleitores vota por medo ou simplesmente não comparece, já que o voto é facultativo, o resultado da recontagem não será diferente dos 68% de votos a favor de Maduro. “O que existe no meu país é um voto de cabresto elaborado e eficiente”, diz o cientista político venezuelano Antonio de la Cruz.
No comando de um país com o setor produtivo e a economia em colapso — a taxa de inflação já está em mais de 13 800% ao ano —, e com uma população que foge em massa para os países vizinhos, para a Europa e para os Estados Unidos, Maduro assegurou, com sua última farsa eleitoral, também um crescente isolamento internacional. Os Estados Unidos, a União Europeia e o Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte com outros onze países, não reconheceram a legitimidade de sua reeleição. Alguns especialistas defendem a tese de que esses países rompam por completo as relações diplomáticas com a Venezuela como forma de pressionar Maduro a fazer uma abertura política.
Não é essa a opção do governo brasileiro, ao menos por enquanto. “O Brasil tem atuado junto aos demais países-membros para que o tema do restabelecimento da democracia no nosso vizinho seja tratado na próxima assembleia-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)”, disse a VEJA o embaixador do Brasil na entidade, José Luiz Machado e Costa. Discute-se, entre outras medidas, a suspensão da Venezuela da OEA. Um ditador disposto a sacrificar o próprio povo, como fazem todos os ditadores, dificilmente se dobrará a esse tipo de pressão diplomática, mas não deixa de ser um começo.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2018, edição nº 2584