Os Estados Unidos e a Europa estão fervorosos com o movimento #MeToo, por meio do qual mulheres vêm denunciando homens por investidas indesejadas, toques inapropriados ou assédios no ambiente de trabalho. Homens poderosos, incluindo parlamentares americanos, foram desmascarados por alegações de assédio. Na França, um grupo de mulheres chegou a questionar se o movimento estaria indo longe demais.
Nós, brasileiras, não somos meramente espectadoras: também construímos nosso movimento. A campanha #MeuPrimeiroAssédio, há dois anos, revelou inúmeros casos de mulheres e meninas que enfrentaram silenciosamente o assédio sexual. No ano passado, mulheres se juntaram para denunciar mais um caso, dessa vez envolvendo um famoso ator de novela. A realidade do assédio enfim saiu das sombras, e ele não pode mais ser ignorado ou tolerado. Precisamos fazer o mesmo com a violência doméstica, que, embora mais debatida, ainda tem de conquistar a consciência social. Apesar de avanços na legislação e em políticas públicas, a contínua impunidade em casos de violência doméstica põe em risco a vida de muitas brasileiras.
Quase um terço das mulheres entrevistadas em uma pesquisa de 2017 no Brasil afirmou ter sofrido violência durante o ano anterior, desde ameaças e espancamentos até tentativas de homicídio. A maioria dos agressores eram parceiros, ex-parceiros ou conhecidos das vítimas — e somente um quarto delas reportou a violência. Se elas não reportam, por que mesmo levantar a voz contra os abusos?
Quando o governo não atende adequadamente as mulheres que buscam ajuda, muitas outras permanecem em silêncio. Se ocorre a denúncia, muitas vezes as autoridades policiais nem sequer tomam providências básicas, como a coleta detalhada do depoimento da vítima e seu encaminhamento para exame médico. Quando o fazem, as mulheres são obrigadas a contar sua história traumática em público, pois nem sempre as delegacias de polícia — mesmo as especializadas — possuem salas privativas. Falhas na investigação frequentemente levam à insuficiência de provas para o prosseguimento da ação penal; e, sem a garantia de proteção após denunciarem os agressores, as mulheres deixam de acreditar no sistema.
Quando permanece impune, a violência se torna maior e pode chegar ao homicídio. Em 2016, 4 606 mulheres foram mortas no Brasil, muitas pelas mãos de um parceiro antigo ou atual. Isso precisa mudar. A violência doméstica não é apenas uma “questão de mulher”. As agressões físicas e psicológicas não somente violam os direitos humanos como prejudicam o desenvolvimento do país, impedindo que grande parte da população desfrute da segurança e liberdade necessárias para a plena participação na vida social e econômica. É essencial implementar integralmente as leis vigentes e cobrar o fim da impunidade. Isso levaria vizinhos, amigos e familiares de vítimas e agressores a tornar a violência doméstica inaceitável. Homens e mulheres devem levantar sua voz não apenas contra o assédio sexual, mas contra a violência que, a cada ano, tira a vida de tantas mulheres.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567