A turma que mexe com seu bolso
Ao revelar conflitos, tensões e vaidades de ministros da Fazenda neste último meio século, livro promove inédito mergulho nos bastidores do poder no Brasil
Sempre que uma crise financeira abala o país, a pressão recai sobre quem tem o dinheiro na mão — o ministro da Fazenda. Houve um tempo em que ele era trocado com mais frequência do que técnico de clube de futebol. No sufoco de uma inflação de quatro dígitos, o presidente Itamar Franco recrutou seis entre 1992 e 1994 — lista recorde da qual fizeram parte Fernando Henrique Cardoso, que saiu de lá para o Palácio do Planalto, e Rubens Ricupero, que caiu em desgraça depois de falar demais e tudo vazar. “Eu não tinha estabilidade psicológica e emocional para o cargo”, disse Ricupero ao jornalista Thomas Traumann, autor de O Pior Emprego do Mundo — 14 Ministros da Fazenda Revelam Como Tomaram as Decisões que Mudaram o Brasil e Mexeram com Seu Bolso, que será lançado na terça-feira 18.
Ao mergulhar nos conflitos dos comandantes da pasta da Economia, Traumann promove um passeio pelos bastidores do poder no último meio século. Ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social no governo Dilma Rousseff, ele fez entrevistas ao longo de dois anos à procura de novos ângulos. Conta que, em 1987, já com o naufrágio do plano conhecido por seu nome, Luiz Carlos Bresser Pereira teve clareza sobre suas limitações em conversa reservada com o líder israelense Shimon Peres. Peres confidenciou que havia se trancado por 29 horas com seus ministros até que eles concordassem em passar a tesoura no Orçamento. Quanto mais falava, mais causava em Bresser a impressão de que, no Brasil, não conseguiria abertura semelhante com seu chefe, o presidente José Sarney. “Ele nunca me apoiaria”, concluiu. E pediu demissão.
O livro mostra a tensão que une e separa presidentes e ministros, e como tremores financeiros se voltam contra o Planalto. Por pouco, Sarney não foi defenestrado três meses antes do fim do mandato. Com a inflação disparando, o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, o aconselhou a antecipar a passagem da faixa. Mas a alta cúpula do governo vetou a ideia por 5 votos a 4. Na sua vez, FHC tratou de limar quadros próximos de sua equipe econômica (Pérsio Arida, Gustavo Franco) para preservar o governo e o Plano Real. Acenou com a promessa de que integrariam uma assessoria especial — o que nunca aconteceu. Quando estava para cair, Antonio Palocci pediu a Lula para indicar seu sucessor. “O ministro da Fazenda tem de ser alguém da minha confiança, não da sua”, ouviu. O enredo deixa no leitor a impressão de que 1) somos capazes de superar crises; e 2) não conseguimos ficar muito longe delas.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2018, edição nº 2600