A praia dos espigões
Camboriú (SC) ostenta quatro dos dez prédios mais altos do Brasil. E segue subindo. Em quatro anos, terá seis edificações na lista das mais elevadas do país
Descoberto para o turismo nos anos 1980, Balneário Camboriú, município litorâneo de mar cristalino e areia branquinha situado na foz do Rio Itajaí, em Santa Catarina, levou menos de dez anos para trocar a fama de pequeno e escondido reduto de pescadores pela imagem de orla fervilhante ocupada por prédios até onde a vista alcança. O gosto pelas construções verticais fincou alicerces e foi desdobrando-se em obras luxuosas — e cada vez mais altas. Atualmente, a cidade de 130 000 habitantes, população que quintuplica no verão, ostenta quatro dos dez edifícios mais elevados do Brasil. E segue subindo. Nos próximos quatro anos, quando uma série de obras ficar pronta, Balneário Camboriú vai dominar o ranking nacional, com seis edificações entre as dez mais altas do país. Dubai, o emirado onde está fincado o maior prédio do mundo, o Burj Khalifa, que se cuide.
Basta uma rápida caminhada pelos 7 quilômetros da Avenida Atlântica, a principal via da cidade, para perceber a quantidade — e a exuberância exageradamente altiva — dos arranha-céus que nela se espremem. O edifício mais alto de Balneário Camboriú, chamado na intimidade de Balneário, ou simplesmente BC, é o Millennium, da FG Empreendimentos, gigante da construção civil que, desde 2004, domina o mercado local. Inaugurado há três anos, o imóvel de 45 andares (184 metros) custou cerca de 800 milhões de reais e está com todos os apartamentos de 300 metros quadrados vendidos, exceto um de três suítes, piscina de borda infinita dentro da sala (sim, dentro da sala!) e deslumbrante vista para o mar. Preço: 14 milhões de reais. “Aqui na cidade, a competição deixou de ser só pela altura. Hoje, o padrão também tem de ser o mais elevado possível”, diz Altevir Baron, diretor comercial da construtora, que assina 43 prédios residenciais na orla e fora dela.
Padrão é mesmo importantíssimo, e isso se nota em qualquer visita aos prédios de luxo. Mas, em BC, tamanho é fundamental. Outra empreiteira, a Pasqualotto, responsável pela verticalização da vizinha Itapema, chegou há quatro anos a BC decidida a invadir a praia. Fez barulho logo com o projeto de estreia, um complexo de duas torres batizado de Yachthouse, que, se ninguém furar a fila, abrirá as portas em 2019 como o edifício mais alto do Brasil, com 81 andares — e ainda por cima projetado pelo italiano Pininfarina, ultrarrenomado escritório de design, responsável pelas linhas da Ferrari. A empresa afirma ter superado questões ambientais, que exigiram reformulações no projeto, e toca a todo o vapor a construção das duas torres, ambas tão altas que a exposição dos corretores inclui um passeio de helicóptero, para que o potencial comprador tenha noção exata da vista que desfrutará.
Quem já comprou a cobertura, avaliada em 30 milhões de reais, é o craque Neymar, amigo da família Pasqualotto. Entre seus futuros vizinhos nos 264 apartamentos do Yachthouse estão os sertanejos Luan Santana e Sorocaba (da dupla com Fernando) e o pagodeiro Alexandre Pires. “Os moradores não precisam deixar o condomínio para nada — temos spa, academia, três restaurantes, dois helipontos e acesso exclusivo a uma marina”, diz Alcino Pasqualotto, que toca a construtora ao lado do pai, Lindomar. “Ainda por cima, podem passar todo o seu tempo de lazer convivendo com pessoas da mesma classe social.”
Com seus prédios monumentais à beira-mar, Camboriú virou ímã de famosos e milionários, sobretudo grandes fazendeiros de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul, que buscam um cantinho (no caso, um cantão) na beira da praia, mas longe dos holofotes do eixo Rio-São Paulo, para relaxar. As estatísticas mostram que só 30% dos donos de apartamentos de frente para o mar moram nesses imóveis o ano inteiro. Entre os felizes proprietários de unidades de lazer na cidade estão o ex-tenista Guga Kuerten, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e seu primo Fernando Maggi, um dos reis mundiais da soja — este, no imponente Millennium.
Não é só de piscina na sala, cinema e vista monumental que se gabam os donos de imóveis. “O público que compra nossos apartamentos não tem pudor de mostrar riqueza. Digo mais: eles amam exuberância. Eu mesma já precisei alterar projetos modernos e minimalistas porque não venderam nada”, atesta Tatiana Cequinel, presidente da terceira grande construtora local, a Embraed (o mercado movimenta cerca de 3 bilhões de reais por ano e paga 160 milhões em impostos, 34% da receita da prefeitura). A Embraed se consagrou em Camboriú pelo acúmulo de símbolos de ostensiva ostentação, como colunas greco-romanas, lustres gigantes, escadarias de mármore, estátuas de anjos e muito, muito dourado. Essas características — e mais uma imensa estátua alada sob uma cúpula transparente — estão presentes no recordista anterior de altura na cidade, o residencial Villa Serena, de 47 andares. O Villa, em que pese o luxo, por muitos anos sofreu a fama de “prédio da bagunça”, atestado da conflituosa convivência entre jovens sem limites e famílias conservadoras. “Isso aqui é uma torre de Babel de gente com dinheiro”, confirma a síndica do Villa Serena, Alessandra Badalotti, que garante ter posto ordem na casa.
Se os forasteiros louvam os confortos dos arranha-céus, os praianos, como se autodenominam os nascidos na cidade, não estão felizes com a barreira de prédios altíssimos à beira-mar. Sol, na areia, só até as 14 horas. Depois desse horário, a sombra dos edifícios se projeta sobre a área toda. A proximidade entre eles também impede que a brisa marítima chegue às ruas de trás, provocando, no verão, um insuportável efeito estufa. “O problema não é a verticalização em si, mas a falta de planejamento. Xangai, na China, tem prédios tão ou mais altos que os do Balneário Camboriú, mas os recuos são grandes e entremeados de áreas verdes”, explica Marina Otte, professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí.
A ideia de empilhar moradias para economizar espaço e mão de obra doméstica surgiu no fim do século XIX, resultado do crescimento desordenado das cidades e, claro, da invenção do elevador. À medida que os prédios subiam, a competição pelo lugar de campeão das alturas foi se acirrando, até virar uma espécie de questão de honra em cidades como Nova York e Chicago, canteiros onde os arranha-céus floresceram com mais vigor. Em Nova York, em 1930, ficou famosa a disputa, palmo a palmo, pelo título máximo, de dois prédios erguidos simultaneamente e projetados com a mesma altura — o do Bank of Manhattan (hoje parte do grupo Trump) e o da Chrysler. No finalzinho da obra, o da Chrysler instalou na surdina, em uma hora e meia, uma antena de aço de 40 metros no topo do edifício e, com essa manobra, levou o título. No entanto, o prédio permaneceu pouco tempo como o mais alto da cidade. Em onze meses, foi destronado pelos 102 andares do Empire State, que se tornaria uma das principais atrações turísticas de Nova York. Mais recentemente, a China e os países árabes assumiram a linha de frente da verticalização vertiginosa, por motivos diversos. “Para os chineses, arranha-céus sinalizam a modernização, a abertura ao exterior. Em Dubai e Abu Dhabi, são reflexo dos maciços investimentos para estimular outras fontes de renda além do petróleo, como o turismo e o comércio”, diz o americano Daniel Safarik, diretor de um centro de pesquisas sobre edifícios e espaços urbanos. Camboriú ainda está distante desses campeões. Mas, de andar em andar, já chegou à marca de capital brasileira dos arranha-céus.
O MAIS-MAIS
Quase 1 quilômetro de altura — o que, em pé, corresponde a cinco edifícios Itália, de São Paulo, e, deitado, a um terço da Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. São 163 andares distribuídos ao longo de 828 metros de altura, neles incluída a torre no topo do edifício, com 244 metros. Bem-vindo ao Burj Khalifa (torre do califa), o prédio mais alto do mundo, localizado em Dubai, nos Emirados Árabes. Inaugurado em janeiro de 2010, o espigão destronou o taiwanês Taipei 101, com seus 508 metros, que manteve o posto de o mais alto do planeta por seis anos.
Erguido durante quase seis anos ao custo de 4,1 bilhões de dólares, em sua vastidão vertical o Burj Khalifa esbanja cifras jamais alcançadas pela engenharia. São 1 044 apartamentos (vendidos em uma semana), 49 pavimentos de escritórios, centros comerciais e restaurantes, uma mesquita e o primeiro Hotel Armani do mundo, com 160 acomodações e diárias em torno de 4 500 reais. A estrutura que se ergue entre o deserto e o Golfo Pérsico, desenhada pelo arquiteto americano Adrian Smith, pode ser vista a 95 quilômetros de distância — quase como se um edifício em São Paulo pudesse ser avistado de Campinas, no interior do estado.
Com reportagem de Isabela Izidro
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547