A inimiga das peruas
Joias enormes? Nunca. A designer Ana Khouri conquista Hollywood com peças ecologicamente sustentáveis (sim, elas existem), anatômicas e caríssimas
A agenda de contatos da designer paranaense Ana Khouri vai de A (de Alicia Vikander, a atriz de A Garota Dinamarquesa) a N (de Nicole Kidman). Passa pelo E (de Emma Watson) e pelo L (de Lady Gaga). As atrizes e celebridades não param para fotógrafos em passarelas e festas e fogem dos paparazzi se não estão “vestidas” com as peças dessa brasileira de 37 anos que se transformou num dos mais reluzentes nomes da joalheria no mundo. Em 2017, ela venceu o Andam Fashion Awards, na França, na categoria acessórios, atalho para a fama e o sucesso na moda. Daí em diante, decolou.
Neste mês, Ana vai expor quarenta criações na reputada galeria Phillips, em Nova York, reconhecida pela qualidade de seu acervo de obras modernas. “Gosto de desenhos irregulares e sou obcecada por geometria”, diz a designer, instada a definir seu trabalho. “A joia bonita apenas por ser bonita não me interessa.”
Natural de Londrina e radicada há uma década em Nova York, onde mantém um ateliê no Soho, Ana faz uma leitura contemporânea de brincos, colares, anéis e tiaras. Todas as suas matérias-primas, como ouro, diamante, esmeralda e safira, são certificadas e sustentáveis — ou seja, foram extraídas sem danificar o ambiente. Assim como uma fruta orgânica custa mais caro que as versões turbinadas por agrotóxicos, as joias com o selo fairmined saem, em média, com valor 30% superior. Vale o investimento? Moralmente, sem dúvida. “Tenho a consciência limpa de que todos os envolvidos foram remunerados e o processo não agrediu a natureza durante a extração”, diz ela.
Claro que apenas o bom comportamento ecológico, que é em si um atributo e tanto, não basta. É preciso saber andar de mãos dadas com o espírito do tempo, e nesse capítulo Ana vai muito bem. A jovem rica dos dias atuais tem ojeriza às peças barrocas, enormes e vistosas, que representavam um elogio ao exagero. Hoje é preciso que tudo seja mais simples, mais modesto, o que não significa menos luxuoso. Em resumo, ela não trabalha com pedras do tamanho de ovos de codorna. Caminha na contramão da ostentação. “Busco uma forma que harmonize com o dedo ou com a orelha, que soe natural e respeite o movimento do corpo”, explica. Traduzindo: trabalha sempre atenta à anatomia. Tanto que, certa vez, ao imaginar um brinco, chamou um acupunturista para avaliar se os pontos onde o brilhante cobriria a orelha não interfeririam negativamente no corpo, machucando, incomodando, gerando algum mal-estar. A solução: um de seus principais hits é o brinco-plugue. A peça tem um gancho que fica preso ao meio do lóbulo da orelha e dispensa o uso de tarraxa. De tão preciso, a mulher pode ir à aula de pilates que o objeto não cai. Outro sucesso é o chamado ear cuff, brinco que envolve toda a orelha, como o usado por Katy Perry (acima). “Gosto de fazer versões com degradê de diamantes”, revela a designer.
É quase tudo feito sob medida. Ana atende, no máximo, duas pessoas por dia. Os ornamentos chegam a custar o equivalente a 1 milhão de reais. Em outra frente, mais cotidiana, ela vende joias sem customização a 40 000 reais, em lojas de departamentos como a nova-iorquina Barneys. Filha de empresários do ramo da construção civil, graduou-se em artes plásticas na Faap, em São Paulo, para depois, em 2005, estudar gemas em Nova York. Mantém um escritório no país, mas sua produção é americana. “A burocracia brasileira fazia atrasar a chegada de pedras e comprometia os meus prazos”, afirma. Adepta da simplicidade como estilo de vida, Ana muitas vezes é vista com esmalte descascado. Detesta badalação. Assume emprestar joias a atrizes, mas não dá seus produtos. Jura selecionar rigorosamente a quem empresta sua arte. A stylist da espalhafatosa Kim Kardashian já tomou uma negativa. “Ela não tem nada a ver comigo.” Não mesmo.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599