
“A espécie humana cresceria na progressão de 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512 etc.; e os meios de subsistência, na progressão de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 etc. Em dois séculos, a população estaria, para os meios de subsistência, na proporção de 512 para 10; em três séculos, de 4 096 para 13; e, em 2000 anos, a diferença seria quase incalculável.” Foi esse o raciocínio que fez a fama e a desgraça do economista inglês Thomas Malthus: a paixão humana levaria ao crescimento exponencial da população, mas esbarraria na falta de alimento. A fome seria inerente à experiência humana, um cruel controle populacional do qual seria impossível escapar. Seu texto clássico, Ensaio sobre o Princípio da População, de 1798, foi suavizado em uma segunda versão, em que Malthus admitia a possibilidade de uma limitação moral do crescimento populacional. Seria a forma de atenuar o caos.
A “armadilha malthusiana” descrevia à perfeição o mundo até então. A população crescia muito lentamente até 1800, com repetidos episódios de fome e epidemias que dizimavam multidões. Essas ideias contribuíram para o precioso insight de Charles Darwin, a seleção natural, que modificaria a maneira como entendemos o mundo. Mas, para azar de Malthus e sorte nossa, o progresso científico e tecnológico dos últimos 200 anos tudo mudou. Estima-se que em 1800 tenhamos alcançado o primeiro bilhão de pessoas. Foram necessários apenas 120 anos para o segundo, quarenta para o terceiro, quinze para o quarto e cerca de dez para cada bilhão desde então.
Ao mesmo tempo, a riqueza no mundo disparou. Isso contribuiu para um novo entendimento sobre a interação entre economia e demografia. Desde meados do século passado, predomina uma visão mais otimista: o crescimento populacional ajuda a economia. Em 1958, o demógrafo Ansley Coale e o economista Edgar Hoover, ambos americanos, lançaram o livro População e Desenvolvimento Econômico, a primeira obra a tratar dos efeitos da estrutura etária na economia. Os autores discutiram o impacto de um fenômeno único na história de cada país: quando cai o número de nascimentos, aumenta a fatia dos que produzem. É o que hoje chamamos de bônus demográfico, um sopro a favor do crescimento. À medida que essas pessoas se aposentam, o bônus vai perdendo força até a sua extinção, pois há um decréscimo proporcional da população ativa, agora não pelo grande número de crianças, mas de idosos.
O próprio conceito do bônus, porém, sugere que a relação entre população e economia é ambígua: tudo depende de qual faixa etária está em expansão. Um aumento da população inativa tende a deprimir a capacidade de crescer. É exatamente o que estamos vendo agora, inclusive no mundo emergente. A França levou quase 120 anos para que a fatia de idosos dobrasse de 7% para 14% do total. O Brasil fará o mesmo em vinte anos.
Com base nas novas estatísticas divulgadas pelo IBGE, começou um debate sobre o nosso bônus: se ele já se exauriu ou se ainda temos um respiro. É difícil saber. O certo é que as coisas ficaram mais complicadas. Vivemos a maior crise de nossa história em pleno bônus. Vamos ter de reencontrar o crescimento fora dele.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594