A bola voltou a rolar
PGR encontrou erros estranhos e decidiu retomar a investigação no caso da conta irregular e milionária do senador Romário na Suíça
Em agosto de 2015, o senador Romário de Souza Faria apareceu no noticiário enrolado em francos suíços. VEJA divulgou, com base em um extrato bancário, que o senador tinha 2,1 milhões de francos suíços em uma conta secreta no banco BSI, na Suíça. Na época, Romário negou que tivesse o dinheiro, tomou um avião para Genebra, visitou a agência e, uma semana depois, recebeu a declaração do banco de que o extrato divulgado era falso e de que a conta não lhe pertencia. O caso parecia enterrado, mas surgiram dois fatos novos — e o senador está de volta à berlinda com francos suíços. O primeiro fato: a Procuradoria-Geral da República (PGR) resolveu retomar a investigação depois de perceber que, nas explicações do próprio BSI, havia incongruências que geravam mais dúvidas do que certezas. O segundo fato: VEJA teve acesso exclusivo a um adendo da delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, ex-PT, na qual ele afirma que a conta secreta de Romário realmente existia e ainda detalha o destino dos 2,1 milhões de francos suíços.
O retorno da PGR ao caso deve-se a omissões por parte do BSI — como a falta de esclarecimento sobre se empresas e parentes de Romário tinham relações com o banco — e a um erro. Os procuradores perceberam que a instituição suíça, ao informar que a conta não existia, citou um código diferente. A conta secreta era identificada pela seguinte sequência de números e letras: CH58 0848 6000 C032 245AA. O banco, em sua resposta aos procuradores, acrescentou uma inexplicável letra F ao código. Ao retomar o caso, o procurador Vladimir Aras pediu ao BSI a quebra do sigilo bancário da conta certa — sem o tal F. As hipóteses: ou o BSI se enganou ao escrever, ou, ao declarar a inexistência da conta, acrescentou uma letra, discretamente, para não incorrer numa mentira — uma falta grave no caso de um banco.
A delação de Delcídio é mais elucidativa. Já se sabia que o ex-senador comentara, num encontro que acabou sendo gravado, que a conta secreta de Romário de fato existia. Mas em uma oitiva realizada em abril de 2016, na sede da PGR em São Paulo, à qual VEJA teve acesso, Delcídio mostra intimidade com o assunto. Declara que “obteve informações do sistema financeiro, de fontes bastante confiáveis, de que esta conta realmente existia”. E vai além: diz que os 2,1 milhões de francos suíços foram transferidos para duas contas offshore. Uma parcela, de 900 000, foi para uma conta em Abu Dhabi, em nome da empresa Indian Inorganic. A outra, de 1,2 milhão, foi para a empresa Ipaid International, nas Ilhas Virgens Britânicas. Somam exatos 2,1 milhões de francos suíços. Em seguida, o ex-senador comenta, a título de coincidência, que uma reunião marcada com Romário teve de ser cancelada porque o ex-jogador viajara para Abu Dhabi.
O próprio Delcídio antecipa no depoimento que a movimentação financeira do ex-jogador no exterior dificilmente será comprovada. Ele diz que as quantias enviadas a paraísos fiscais não serão “declaradas pelos bancos envolvidos e pelos mecanismos de transferência”. Quanto ao BSI, relata que “ouviu que a referida instituição financeira não seguia as normas estabelecidas” pelos órgãos internacionais — “normas estas absolutamente rigorosas sobre transparência e compliance dos bancos”.
Desde que o caso veio a público, Romário tem dado respostas variadas sobre a história. Quando VEJA divulgou inicialmente a existência da conta secreta, em 2015, ele escreveu em rede social: “Essa conta, se existe, são de recursos de quando joguei lá fora. Não é ilegal”. E ainda: “É possível que tenha sobrado algum rendimento. Honesto e suado”. Depois de voltar da viagem à Suíça, postou de novo nas redes: “Fui à Suíça e o banco admitiu que nunca tive vínculo com eles”. Após a divulgação da gravação do encontro de Delcídio, em que a existência da conta é confirmada, Romário disse ao jornal O Globo que teve, sim, uma conta no banco, mas que não sabia de seu paradeiro: “Se não movimenta, acho que fecha automaticamente”. Procurado por VEJA, o senador pediu um tempo para responder, mas não se manifestou até o fechamento desta edição.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559