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A batalha dos inocentes

Com atuações espetaculares de Benicio Del Toro e de Isabela Moner, 'Sicario: Dia do Soldado' avança de forma tocante na radiografia da guerra ao tráfico

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 16h42 - Publicado em 29 jun 2018, 06h00

Juntos, o roteirista Taylor Sheridan e o diretor Denis Villeneuve armaram, em Sicario, de 2015, uma perturbadora defesa de tese sobre a contaminação moral dos agentes antidrogas americanos pela sordidez e pela barbaridade dos narcotraficantes que eles combatem: nessa guerra total, demonstravam eles, ética, escrúpulos e qualquer senso de balizamento do que é aceitável ou não vão sendo eviscerados com a mesma indiferença que os cartéis aplicam às suas vítimas. Mas, se Villeneuve imprimia aos acontecimentos de Sicario a aura de irrealidade que depois constituiria o tom dominante também de A Chegada e de Blade Runner 2049, em ­Sicario: Dia do Soldado (Sicario: Day of the Soldado, Estados Unidos/Itália, 2018), já em cartaz no país, o diretor italiano Stefano Sollima, que comanda esta continuação, escande a tese do filme original em um musculoso corpo a corpo com seus personagens, e com um trato tátil e hiperalerta dos ambientes nos quais o enredo se desenrola. Pouco conhecido no meio cinematográfico, mas expoente da televisão italiana graças a séries como Gomorra, Suburra e Romanzo Criminale, que abordam com forte realismo o crime e a corrupção, Sollima retoma Sicario pelo fio com que ele se encerrava: o dos jovens — crianças, na verdade — apanhados por essa engrenagem de violência.

Agora, Matt Graver (Josh Brolin), o excêntrico agente americano que atua na clandestinidade com recursos fartos e latitude ilimitada, é incumbido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos de fomentar uma guerra entre os cartéis mexicanos para facilitar a nova etapa da guerra: os criminosos estão em processo de diversificação, e o tráfico de pessoas se tornou para eles uma atividade lucrativa — tráfico tanto de gente comum que se empenha com os “coiotes” para a travessia da fronteira, como de terroristas islâmicos que nunca conseguiriam ingresso no território americano pelos meios legais. Graver, sempre criativo, raciocina que de nada adiantaria mirar um dos chefes dos cartéis: em geral, a captura de um rei não inicia guerras, e sim põe fim a elas. Já com a captura de um príncipe — ou princesa —, aí, sim, se ateia fogo à gasolina.

O alvo de Graver é Isabel Reyes (Isabela Moner), de 13 anos e estarrecedora autoconfiança: filha de um dos grandes narcotraficantes mexicanos, a menina cresceu cercada de poder e influência e os absorveu como seus. Nem o temperamento férreo, porém, a protege do trauma de ser sequestrada — em uma sequência de tensão explosiva nas ruas da Cidade do México —, amarrada, encapuzada e conduzida a um cativeiro. Os soldados das Forças Especiais recrutados por Graver e comandados pelo enigmático Alejandro (Benicio Del Toro) primeiro fazem o papel de sequestradores e esperam Isabel ser reduzida ao medo mais desorientador. Aí, então, fingem ser os salvadores da garota. O sequestro, claro, é atribuído ao cartel rival de Reyes — mas o plano de Graver imediatamente desanda.

Na periferia desse enredo central, entretanto, outro personagem começa a se mover: o garoto Miguel (Elijah Rodriguez), de 14 anos, que mora do lado americano da fronteira, bem junto à cerca. Os pais de Miguel julgam tê-lo posto a salvo da órbita do tráfico. Enganam-se: justamente por ser um adolescente circunspecto e um bom aluno, ele é candidato a operações criminosas que exigem discrição e aparência inofensiva.

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Taylor Sheridan, indicado ao Oscar no ano passado por A Qualquer Custo, confirma ser um roteirista de habilidade notável. Alejandro, que no filme anterior descobria-se ter sido membro do Judiciário até se tornar um renegado movido pelo desejo de vingança — o cartel de Reyes assassinou sua família —, agora é obrigado a decidir o que mais o toca em Isabel, se a vulnerabilidade ou se a ameaça que ela encarna. Del Toro e Isabela Moner, ambos espetaculares, vivem juntos uma experiência terrível, sós no deserto, caçados por todos e sem saída à vista. Por um percurso diverso, então, Sollima avança um ponto na argumentação do filme dirigido por Villeneuve. Deixa uma nota comovente, na constatação de Isabel e de Alejandro de que ainda existe um cerne intocado dentro deles. Mas, paradoxalmente, conclui que aí está o aspecto mais trágico dessa guerra suja: não a maneira como ela rouba a inocência aos inocentes — e sim o fato de que frequentemente a inocência não é destruída por completo, e sempre resta algo que é preciso, mas impossível, proteger.

Publicado em VEJA de 4 de julho de 2018, edição nº 2589

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