Nem tão progressista, nem tão conservador: o perfil ideológico dos católicos no Brasil
Pesquisa encomendada por VEJA à MindMiners mostrou a opinião dos fiéis brasileiros sobre o caminho que a Igreja deve tomar

Não passa despercebida a influência da Igreja Católica no dia a dia da população brasileira, seja nas imagens de santos espalhadas pelas ruas ou nas expressões e nos hábitos cristãos já incorporados ao cotidiano. É natural, já que o Brasil é o país que concentra mais católicos no mundo, com 120 milhões de fiéis. E, como é de se esperar em um grupo tão grande, há entre essas pessoas um espectro diverso de opiniões, que se manifestam também em sua maneira de enxergar o mundo. Quanto ao perfil ideológico dessa população, uma pesquisa inédita encomendada por VEJA à MindMiners, empresa especializada em sondagens on-line, mostrou que predomina entre os brasileiros um perfil moderado, nem tão progressista, nem tão conservador, e que projeta também em sua fé esse equilíbrio.
O levantamento questionou aos entrevistados, todos católicos, como se consideram, termos de posicionamento político e social. A maioria, 37%, se identificou no meio termo: nem progressista, nem conservador, mas com uma visão equilibrada, sem aderir a nenhum dos lados. Outros 22%, por outro lado, se mostraram mais abertos a mudanças discretas e se definiram como “um pouco progressistas”.
Em seguida, aparecem tanto os dispostos a transformações mais bruscas e velozes nas questões sociais e políticas — os que se definem como muito progressistas, 16% —, e aqueles que até admitem uma coisa ou outra, mas preferem se apegar a valores tradicionais. Estes, classificados como “um pouco conservadores”, foram também 16%. Por último, apareceram os “muito conservadores”, 8% do todo, que têm “forte apego aos valores tradicionais”.
Quando questionados sobre que postura esperam da Igreja Católica nos próximos anos, diante de opções ideológicas similares, os fiéis, em grande maioria, seguiram com o meio termo. Para 49%, o caminho deve ser de equilíbrio, mantendo parte das tradições, mas também se abrindo para algumas atualizações. Chamou a atenção, porém, o tamanho da parcela daqueles que esperam uma Igreja aberta a mudanças, de modo a se adaptar às transformações sociais e se aproximar mais das pessoas, grupo que representou 27%. Tal resultado indica que há, de fato, espaço para posturas como a do Papa Francisco, marcado em sua trajetória por não se apegar tanto a tradições e por abrir portas para cristãos de perfis mais diversos.
Os que acreditam que a postura da Igreja deve ser mais conservadora, por outro lado, aparecem logo depois: 14% pensam que tradições e valores antigos devem ser reforçados, com menos espaço para mudanças. Outros 11% disseram não ter opinião formada sobre o assunto.

Ao analisar o cenário, o mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Victor Gama, pondera que, apesar do cenário levemente inclinado a uma perfil mais progressista, há no Brasil uma parcela barulhenta e influente de conservadores, que tem de ser levada em consideração. Fortes nas redes sociais, os chamados tradicionalistas conseguem mobilizar a opinião pública e atingir, segundo ele, mesmo quem não está no seu quadrante ideológico.
“De fato, eles são hoje uma tendência muito influente e muito importante. O tratamento a esses grupos talvez seja um ponto a ser levado em consideração na trajetória do novo papa, já que Francisco criou conflitos com esse fiéis mais apegados aos valores tradicionais. É preciso apaziguar esses conflitos. O que ocorre é que eles acreditam que o público verdadeiramente católico é aquele que estão atraindo, normalmente composto por pessoas que pensam de maneira parecida, que tende estar mais junto com eles”, explica Gama, que completa. “É um modelo de catolicismo fixista, em que nada deve mudar, tudo já está dado ou pronto”, explica.
Expoente brasileiro da vertente social da Igreja, o padre Júlio Lancellotti, por outro lado, enxerga tais conflitos de pensamento como um fenômeno que se materializa também no catolicismo, mas que é reflexo da sociedade.
“O povo brasileiro é religioso. E essa religiosidade, hoje, também está ligada ao fundamentalismo. No Brasil, o que vemos é uma Igreja polarizada, influenciada também pelo contexto cultural, que hoje é neoliberal”, reflete.
O resultado, segundo o sacerdote, leva a uma sociedade mais autônoma da religião e que, portanto, se preocupa apenas com os efeitos que possíveis mudanças podem ter na sua própria vida, não no todo.

“Há uma empatia com uma causa que não se compromete com o outro, apenas com si mesmo. Do ‘eu com Deus me dou muito bem, não com a família dele. Quero segurança pra mim, não pro todo’. A gente busca uma religião do êxito, da prosperidade, que tem também a ver com a teologia da prosperidade, que tem crescido nos últimos anos. São muitos os aspectos. A sociedade, como um todo, e a igreja, se orientam por valores que não são da Igreja em si. Quem aceita a Doutrina Social da Igreja hoje?”, completa.