Um a cada quatro novos deputados federais estreia na Câmara e na política
Dos 513 que tomam posse nesta sexta-feira, 118 nunca ocuparam cargo público ou eletivo; outros 132 já têm experiência, mas chegam ao Congresso pela 1ª vez
Eles nunca foram tantos. A nova Câmara dos Deputados, que toma posse nesta sexta-feira, 1º, é a que ostenta o maior porcentual de deputados federais novatos desde a eleição de 1986, logo após a redemocratização do país – 49% dos 513 parlamentares nunca estiveram nessa função.
Mas dentro desse porcentual, há um grupo expressivo de parlamentares ainda mais novatos, que nunca ocuparam qualquer cargo público ou eletivo anteriormente – na vida política foram alçados diretamente ao Congresso Nacional. Há 116 parlamentares nessa condição, o que representa quase um a cada quatro deputados que vão assumir seus mandatos.
A onda que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República explica parte do fenômeno. Do total de estreantes na carreira política, quase um terço deles – 38 parlamentares – são filiados ao PSL, o mesmo partido do presidente, segundo levantamento feito pelo Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar),
Em segundo lugar, distante, com 7% desse universo, vem outro fenômeno da eleição, o Novo, legenda que estreou na última campanha elegendo oito deputados, todos novatos na carreira política. Partidos de esquerda que estiveram alinhados à candidatura de Fernando Haddad, o PT e o PCdo B, por exemplo, só elegeram um totalmente estreante cada um na última eleição.
“Isso (a renovação) significa o desejo dos eleitores, ainda que irracional. Ela não foi refletida pela busca de mudanças profundas, mas apenas pelo desejo de renovação. A renovação pela renovação, para ter gente nova”, afirma Marcos Verlaine da Silva Pinto, analista político do Diap.
Entre os totalmente novatos, a maioria é de empresários (24), mas chama a atenção a presença de militares ou policiais (18 eleitos), mais afinados com o discurso bolsonarista, como a policial militar Katia Sastre (PR-SP), 42 anos, que ficou célebre após ser filmada matando a tiros um assaltante em frente à escola da filha em Suzano, na Grande São Paulo.
Há também gente que ganhou projeção política em movimentos de rua contra os governos petistas, como Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do Movimento Brasil Livre (MBL), Carla Zambelli, ativista do Nas Ruas, e Alexandre Frota, ator que participou com destaque das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).
O desejo de mudança levou até um herdeiro da antiga família real brasileira, o príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança, à Câmara dos Deputados, do mesmo PSL de Bolsonaro e também de São Paulo, como Frota, Kataguiri, Zambelli e Sastre.
O Sudeste, aliás, foi a região com a maior concentração de eleitos pela primeira vez para um cargo público: detém 42% dos parlamentares nessa condição. Em primeiro lugar aparece São Paulo, com 19 deputados federais, seguido por Rio de Janeiro (18) e Minas Gerais (11).
Kataguiri, com 23 anos, conquistou o cargo com 465.310 votos, um desempenho expressivo até para políticos experientes. Ele considera essa renovação um desdobramento natural do processo político que o país atravessa, com participação popular cada vez maior, principalmente via redes sociais.
Ele também cita a insatisfação do eleitor com a maneira como as coisas vinham sendo feitas pela classe política. “A população pode esperar muito mais embates ideológicos do que havia nas legislaturas passadas. Debates importantes como os da reforma tributária, previdenciária e política”, afirma.
Katia Sastre, eleita com 264.013 votos, vai na mesma linha de raciocínio. Ela acredita que as urnas deram um recado muito claro: os eleitores queriam renovação, representantes próximos e disponíveis, honestos, transparentes e que falassem de igual para igual, com a mesma linguagem do eleitor.
“Isso significa, por um lado, que nós, os eleitos, temos uma responsabilidade ainda maior, porque a expectativa da população é muito alta. Por outro lado, significa que temos o aval dela para implementar uma nova mentalidade no Congresso e no governo federal. Claro que o primeiro mandato é cheio de desafios e expectativas, mas estamos dispostos a superá-los”, afirma.
Dificuldades
A principal dificuldade daqueles que nunca estiveram em um Legislativo antes pode ser o entendimento da máquina. A Câmara possui uma dinâmica que deve continuar a mesma. Um projeto de lei precisa passar pelas comissões temáticas e de Constituição e Justiça, ser colocado em pauta, votado em dois turnos etc. A tramitação das matérias depende muito de acordos de lideranças, postos geralmente ocupados por políticos mais experientes.
“A vontade de trabalhar dos novatos pode ser maior, mas o desempenho dificilmente será melhor. Além do desconhecimento da parte burocrática, é preciso estabelecer um relacionamento com os colegas, o que leva um pouco de tempo. A instituição tem sua cultura – e alterar cultura, em condições normais de temperatura e pressão, é algo que leva tempo. Um lugar com 513 parlamentares tem uma inércia própria que as vontades individuais dificilmente alteram”, acredita o cientista político Rubens Figueiredo.
Perfil
Entre os totalmente novatos, chama a atenção também o alto porcentual de homens: são 78% do total contra 22% de mulheres. Entre elas está a cientista política e astrofísica Tabata Amaral (PDT-SP), eleita com 264.450 votos na primeira eleição que disputou.
Integrante de um partido de centro-esquerda, que apoiou a candidatura de Ciro Gomes (PDT) à Presidência da República, ela deve fazer parte da minoria que não se alinhará automaticamente a Bolsonaro.
“Sei que vou encontrar um Congresso muito dividido, mas estou segura de que o diálogo é o melhor caminho. Pretendo conversar, não apenas com os parlamentares de todos os partidos, mas também com a população”, afirma a deputada, eleita com outros parlamentares alinhados ao Movimento Acredito, que prega a renovação nas práticas políticas.
Para ela, o embate ideológico entre direita e esquerda, que tem dividido o país nas últimas eleições, e o modo tradicional de fazer política devem ser as maiores dificuldades dos totalmente novatos na política. “Sem dúvida a polarização e as antigas práticas (serão as dificuldades). Meu desafio é sair das discussões rasas e polarizadas e propor pautas que realmente sejam do interesse da população”, defende.
Com a educação como pauta prioritária, ela disse que foi um desafio se lançar na política. “Hesitei muito em me candidatar, resolvi na última hora. Trabalho há muitos anos com educação, graças às oportunidades que tive, e a motivação veio do sentimento de que só com vontade política as coisas realmente acontecem. Ou jogamos a toalha ou tentamos mudar a política”,afirma.
Para o igualmente novato Túlio Gadêlha (PDT-PE), 31 anos, também alinhado à centro-esquerda, a onda conservadora pode potencializar retrocessos e estreitar os espaços de debate na Câmara. “Por outro lado, percebo que o caminho de muitos dos novos deputados ainda está em disputa. Isso significa que teremos o diálogo como instrumento estratégico de conquista das frentes progressistas”, diz.
Derrocada
Os “superpartidos”, como eram o PT, PMDB e PSDB nas legislaturas anteriores, perderam espaço na nova Câmara. Todos perderam deputados: os petistas foram de 61 para 54, os emedebistas recuaram de 51 para 34 e os tucanos sofreram o maior baque – tinham 49, agora têm 29.
As composições na Câmara agora deverão envolver um número muito maior de legendas – são 29 na atual legislatura contra 24 na que acabou de se encerrar . “Como o verniz ideológico da maioria é alinhado com a plataforma que elegeu Bolsonaro, algumas propostas podem ser aprovadas com maior facilidade. A Câmara deu uma guinada para a direita, os candidatos identificados com Bolsonaro e o antipetismo tiveram grande votação”, diz Figueiredo.
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