“Tem gente passando fome”, diz representante das famílias do 8 de Janeiro
Advogada do Rio Grande do Sul criou associação para prestar assistência aos acusados pelos ataques ao Planalto, ao Congresso e ao STF
A advogada Gabriela Fernanda Ritter é a fundadora da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro. A entidade presta assistência jurídica aos presos pelos atos de vandalismo do início do ano em Brasília e apoio aos parentes, distribuindo cestas básicas. Para a advogada, os responsáveis pelos ataques às sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal devem pagar pelo que fizeram. Ela, no entanto, diz que as penas aplicadas são excessivas e, em certos casos, incorretas.
Como a Associação tem avaliado as primeiras sentenças do STF ? Eu considero uma situação absurda. Antes dos julgamentos, eu achava que as pessoas iam ser condenadas no máximo a 8 anos. Achei o voto do ministro Nunes Marques o mais compatível com a realidade, dois anos e meio de pena. Quem fez aquilo tem que pagar por ato de vandalismo, por dano ao patrimônio. Não houve tentativa de golpe.
Qual foi então o objetivo daqueles terríveis atos de vandalismo? Eu não sei te dizer o objetivo. Eu sei que quem é de direita e quem acredita num país justo, quem nunca respondeu a um processo, quem nunca quebrou nem um copo de propósito jamais iria lá quebrar o patrimônio público. Não sei se havia infiltrados, mas tenho certeza que vamos conseguir comprovar isso com o passar do tempo. Hoje está difícil porque o STF está nos perseguindo. A primeira advogada do 8 de janeiro foi presa esta semana.
A senhora está dizendo que a maioria daquelas pessoas não eram golpistas? Não eram golpistas e nem terroristas. Quem quebrou tem que pagar pelo crime cometido, não um golpe de estado, não abolição violenta do estado democrático de direito. Nem que eles quisessem, eles não tinham esse poder. Sentar na cadeira do Presidente não é tomar o poder, eles não tinham armas, não tinham o apoio das Forças Armadas. Nunca se viu na história de golpes no mundo se falar que uma população de idosos teria a chance de tomada de poder.
O pai da senhora também foi preso dia 8 de janeiro e aguarda julgamento. Meu pai foi preso no Palácio do Planalto. Foi a Brasília para caminhar pela Pátria. Quando ele chegou lá, já estava tudo depredado — e, mesmo assim, foi liberado apenas oito meses depois, no dia 8 de agosto. Agora aguarda julgamento.
Da maneira como a senhora fala, parece que os vândalos são vítimas e não criminosos. Muitos dos presos estão debilitados, fracos, depressivos. Muitos se dizem injustiçados. Há o caso do Matheus Lázaro, que foi preso a 6 quilômetros do local da depredação e foi condenado a 17 anos. Um rapaz preso no mesmo lugar, com dois canivetes, uma faca e dois rojões foi condenado a 12 anos. Não há imagens para provar o que cada um pode ter feito. Não existe individualização das condutas. A defesa é completamente silenciada, a defesa não tem voz, classifico como prisão política.
As famílias irão recorrer das sentenças? Não há recursos. Há embargos infringentes que podem ser apresentados em caso de divergência de votos dos ministros, mas isso não vai mudar em nada. A associação surgiu em abril diante da necessidade de dar voz a essas pessoas, diante do que vem acontecendo. Sou advogada e vi que os recursos não eram apreciados nos processos. Criticam a Lava-Jato, mas o que está acontecendo agora é muito pior.
Por quê? Os colegas advogados comentam que muitos precedentes foram abertos na Lava-Jato e estão se repetindo aqui. Todos os advogados que tiveram acesso aos processos da Lava-Jato falam que nunca viram nada parecido com o que está acontecendo com os presos do 8 de janeiro. Os processos nem deveriam estar sendo julgados pelo STF, já que os réus são pessoas comuns. A maioria sequer tem condições de pagar um advogado. Tem gente literalmente passando fome.