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‘Superbloco’ de siglas de centro-direita embaralha jogo político na Câmara

Com 142 deputados e cinco partidos, grupo nasce com tamanho suficiente (mais de um quarto dos 513 parlamentares) para ser protagonista nesse xadrez

Por Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h01 - Publicado em 9 abr 2023, 08h00

Na última campanha à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva declarou que, frente ao desafio de montar a sua futura base em um Congresso que saía das urnas mais inclinado à direita, daria cabo da tarefa por meio de muita conversa com todos os partidos. O esforço tentaria passar ao largo das estratégias adotadas em suas gestões anteriores, quando a busca de apoio no Legislativo acabou desembocando em escândalos como mensalão e petrolão. Passados quase 100 dias desde a posse e com os novos deputados e senadores já há dois meses nos seus postos, a situação, no entanto, se mostra bastante nebulosa, com muitas dúvidas sobre o tamanho real da tropa governista — o que cria alguma incerteza sobre a capacidade para aprovar medidas cruciais para o mandato, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.

O que já estava confuso ficou ainda mais embaçado nos últimos dias com uma movimentação de deputados que não estava no radar: a formação de um bloco na Câmara com 142 deputados e cinco partidos, que já nasceu com tamanho suficiente (mais de um quarto dos 513 parlamentares) para ser protagonista no jogo legislativo. Formado por MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC, o grupo já é maior que o bloco de partidos de esquerda que deram sustentação a Lula na campanha e praticamente se iguala à soma da dupla PL-PP, as legendas que se colocam como oposição (veja o quadro). A nova frente surpreendeu também porque se apresentou com partidos que têm cargos no governo, como MDB e PSD, e outros longe da influência de Lula, como o Republicanos, que apoiou Jair Bolsonaro na eleição e sempre comungou da cartilha do Centrão chefiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

arte congresso

O “superbloco”, como tem sido chamado, tem, ao menos por ora, uma tendência a ajudar o governo. “No nosso bloco, hoje, 70% é governista”, afirma Fábio Macedo (Podemos-MA), o líder da frente. Parlamentar pouco conhecido, que tem proximidade com o ministro Flávio Dino (Justiça), ele já mostra disposição para apoiar projetos importantes de Lula que estão na Casa. “Tem duas MPs de grande importância, que são as do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida, e que com certeza, com muita boa vontade, vamos dar andamento”, diz.

ACENO - Fábio Macedo, o líder do bloco: “boa vontade” para votar projetos de Lula
ACENO - Fábio Macedo, o líder do bloco: “boa vontade” para votar projetos de Lula (@fabiodiasmacedo/Facebook)
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Único bloco formalizado até agora na Câmara (o Centrão tem uma composição mais solta), a nova frente nasce, em tese, com muita bala na agulha. Com votações de grande porte ainda não iniciadas e em meio à queda de braço entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pelo controle do rito das MPs, o grupo tem potencial para provocar alguma reconfiguração do jogo de forças no Legislativo. Um ponto importante é a formação das comissões mistas para analisar as MPs. Apesar de estar nas mãos de Lira esse poder, será preciso obedecer ao critério da proporcionalidade, o que faria com que o grupo ficasse com três das doze vagas nesses colegiados. Outro aspecto é a maior influência que o quinteto de siglas terá na definição das votações. Se antes o jogo estava concentrado entre governo e presidência da Câmara, agora há um bloco que, apesar da inclinação governista, pode se colocar como colaborador de Lira, dependendo do caso. Assim, a turma precisará ser ouvida também nas maiores decisões.

A nova frente surgiu no velho estilo de “fazer política”. As negociações ocorreram simultaneamente a duas conversas frustradas para alianças — uma entre MDB e PSDB e outra entre PP e União Brasil. Essa última suscitou receio entre os demais partidos, principalmente após a demonstração de força dada por Lira ao aprovar a PEC da Transição, muito cara ao governo Lula. A formalização do “superbloco” buscou neutralizar a influência de Lira e contou com a atuação de três importantes caciques — Baleia Rossi (MDB), Gilberto Kassab (PSD) e Marcos Pereira (Republicanos), todos presidentes de suas siglas. Também pesou a necessidade de acomodar interesses regionais. Na Bahia, MDB e PSD são os principais aliados do PT, enquanto PP e União estiveram do lado oposto na eleição. Já em São Paulo, MDB e PSD estão com o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, cuja direção há muito se afastou do jogo de Lira e seu aliado Elmar Nascimento (União-BA). Nos bastidores, os caciques da frente dizem que eles querem se diferenciar da política “baseada no orçamento secreto” de Lira. É ver para crer. No horizonte, está até uma candidatura à Presidência da Câmara no ainda distante 2025.

SEM BALA - Eduardo Bolsonaro: o líder da minoria não controla nem o seu PL
SEM BALA - Eduardo Bolsonaro: o líder da minoria não controla nem o seu PL (Sérgio Lima/AFP)
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Arthur Lira, um dos políticos mais poderosos no Congresso nos últimos anos, ensaia, claro, uma reação. Como o seu partido, PP, tem apenas 49 deputados, ele articula para construir outra frente, que teria o PL e o União Brasil, com quem voltou a negociar. Esse trio teria 207 deputados e não seria superado. No caso de uma eventual federação, a estimativa é que as negociações avancem, sobretudo com a aproximação das eleições municipais. “A tendência é os partidos se afunilarem para ter mais tempo de televisão e mais acesso a recursos de campanha”, avalia Danilo Forte (União-CE), entusiasta de uma federação “programática” entre a sua legenda e o PP. Outra sigla cobiçada é o PSDB, que, apesar de ter se apresentado como terceira via em 2022, na Câmara sempre foi mais ligada a Lira e a Bolsonaro.

O governo acompanha com atenção as movimentações na Câmara, dialoga com os líderes da nova aliança e afirma não ter preocupações adicionais, por enquanto, com a atuação do grupo. “Percebo que esse bloco tem mais a ver com a ocupação de espaços na Câmara do que com ajudar ou atrapalhar tanto o governo quanto o Lira”, afirma Zeca Dirceu (PT-PR), líder da bancada petista. Ele aponta até um lado positivo na união de partidos no Legislativo. “A vantagem dos blocos e, principalmente, da criação das federações é a correção de um problema do nosso sistema político, que é o grande número de partidos”, afirma. De fato, há nada menos que 21 legendas com assento na Casa.

GUINADA - Marcos Pereira: Republicanos se afasta do jogo de Lira e do Centrão
GUINADA - Marcos Pereira: Republicanos se afasta do jogo de Lira e do Centrão (Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
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Os membros do novo grupo, ao mesmo tempo em que sinalizam boa vontade, mostram que o governo terá de negociar. O MDB, que tem três ministérios, lançou recentemente uma carta-compromisso dizendo que a sua atuação no Legislativo será propositiva, mas crítica. “Vamos dar suporte às medidas encaminhadas pelo governo, sem deixar de fazer as críticas quando necessário”, diz Baleia Rossi (SP). “O ‘superbloco’ equilibra ainda mais a relação entre os partidos na Câmara. É a volta da grande política”, completa. Se Lula não tiver habilidade, porém, pode arrumar um problema, como alerta, reservadamente, um integrante da nova frente. “O governo agora vai ter de dialogar com o bloco e dialogar com o Lira, que tem o poder de agenda. Mas o pior cenário seria o Lira continuar ‘todo-poderoso’, com o ‘supercentrão’ e todos os partidos do lado dele”, diz essa mesma fonte. O líder do bloco, Fábio Macedo, apesar do aceno a Lula, também deixa a porta aberta. “A tendência maior do bloco é governo, mas respeitando também cada parlamentar que queira ir para a oposição”, afirma.

Essa é a principal dificuldade hoje no Congresso: pouca gente fala claramente como oposição. Mesmo Lira, apesar do poder que tem para pressionar o governo, não fará movimentos bruscos para não correr o risco de um rompimento, o que dificultaria fazer andar as liberações de emendas para a sua base eleitoral e seus aliados. Evidentemente, o líder da minoria, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é o único chefe de bancada a esgrimir um discurso de oposição, mas o exército que lidera é o de um punhado de radicais que têm pouca influência. Mesmo o seu PL, maior partido, com 99 deputados, tem muitos políticos dispostos a votar com o governo.

INDEPENDÊNCIA - Baleia Rossi: o MDB vai apoiar, mas também vai criticar Lula
INDEPENDÊNCIA - Baleia Rossi: o MDB vai apoiar, mas também vai criticar Lula (Cleia Viana/Câmara dos Deputados)
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O fato é que, por ora, há muitas tratativas, muitas estratégias e muitas projeções, mas pouca certeza sobre o tamanho de cada agrupamento e a influência de cada líder no Congresso. A hora da verdade provavelmente se descortinará nas votações importantes, tanto das MPs quanto dos projetos que vão tratar da âncora fiscal e da reforma tributária. O cenário de incerteza predominante é agravado pelo inusitado fato de que o Legislativo, já em abril, ainda não apreciou um único projeto de Lula. O que temos, então, são muitos generais e soldados se movendo enquanto esperam o jogo começar para valer.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

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