Sem saber da ligação, CPI pediu ajuda a irmão de general investigado por golpe
Delegado é irmão de Mario Fernandes, militar preso há seis meses, e foi peça-chave em desvendar o atentado a bomba no aeroporto de Brasília após as eleições

Em junho de 2023, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou os ataques do 8 de janeiro estava no seu auge. Deputados e senadores convocavam e ouviam figuras cruciais sobre os atos de invasão e depredação nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) e buscavam vinculações com outros atentados ocorridos após as eleições de 2022.
Um deles foi uma tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília. Em 24 de dezembro de 2022, uma caixa de papelão, que trazia algumas bananas de dinamite dentro, foi acoplada ao eixo de um caminhão-tanque carregado com 60.000 litros de querosene de aviação. O artefato foi deixado na madrugada por dois autoproclamados apoiadores de Jair Bolsonaro, que vislumbravam que um ataque com os explosivos provocaria uma convulsão popular que embasaria uma decisão do então presidente de recorrer às Forças Armadas para conter a desordem.
Por sorte, antes de dar a partida, o motorista do caminhão fez uma vistoria e se deparou com o aparato. Assustado, ele deixou a caixa no chão, relatou o ocorrido a funcionários do aeroporto, descarregou o combustível e seguiu viagem. Quando a polícia chegou ao local, o detonador já havia sido acionado. Mas, por algum motivo, a bomba não atingiu o efeito planejado.
Para os membros da CPI, era importante ouvir as principais testemunhas do episódio. Uma delas era o delegado Marcelo Fernandes, à época chefe da 10ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, responsável pela área do aeroporto. Ele foi um dos primeiros a chegar ao local. Depois, encontrou o motorista do caminhão já numa cidade a 130 quilômetros de Brasília e na sequência conseguiu localizar e prender o autor da confecção da bomba.
O requerimento de convocação do policial foi apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da comissão de inquérito. No documento, ela alegou que Fernandes deveria ser ouvido como testemunha dos atos e de suas consequentes investigações.
À época, ninguém imaginava que o policial tinha outra ligação com as investigações sobre uma tentativa de golpe no país. Marcelo Fernandes é irmão do general Mario Fernandes, preso há mais de seis meses sob a suspeita de elaborar um plano chamado “Punhal Verde e Amarelo” para “neutralizar” o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin. A empreitada, para os investigadores, consolidaria o golpe e manteria Bolsonaro na Presidência.
A atuação de Mario Fernandes, que trabalhou como secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no fim do governo Bolsonaro, só veio a público em novembro de 2024, numa operação da Polícia Federal que o prendeu. À época da CPI, portanto, o nome dele não era conhecido nas apurações. No fim das contas, diante da extensa lista de convocados, o delegado Marcelo Fernandes foi dispensado de prestar depoimento aos parlamentares. No lugar, foi ouvido outro delegado para o qual o caso foi posteriormente enviado. Na oitiva, ele apresentou relatos da atuação do irmão do general nas apurações do atentado.
Frente a frente com Alexandre de Moraes
Embora não tenha falado à CPI, nos próximos dias o delegado será novamente acionado. Como mostra reportagem de VEJA desta edição, Marcelo Fernandes deve ser arrolado como testemunha de defesa do irmão no inquérito investigado pelo STF sobre uma tentativa de golpe.
A defesa de Mario Fernandes avalia que o depoimento do irmão vai ajudar a desmantelar a tese de que o general é um extremista. Como os dois são muito próximos, não haveria lógica em considerar que um deles planejou o golpe enquanto o outro agiu para evitar que o pior acontecesse.
Para o ministro Alexandre de Moraes, os atentados na capital que culminaram no 8 de janeiro faziam parte de uma “sequência” de ações para reverter o resultado das eleições de 2022. “Se explodisse a bomba, centenas — se não milhares — de pessoas morreriam”, disse o ministro durante o julgamento que tornou Bolsonaro réu.