Santo de casa
A futura ministra da Agricultura é acusada pela irmã de forjar balanços e de se beneficiar de fraudes na gestão do patrimônio da família
Para quem tem ambições de poder, o Ministério da Agricultura é uma das joias da coroa. A pasta dispõe de 11 000 servidores, um orçamento anual de 10 bilhões de reais, capilaridade em todos os estados e influência direta sobre um dos setores mais poderosos da economia brasileira, que representa quase um quarto do PIB. No governo Bolsonaro, o ministério deverá abrigar ainda a Secretaria da Pesca, a da agricultura familiar e o Incra, órgão responsável pela reforma agrária. Essa superestrutura será comandada pela deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), a atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ex-secretária de Produção de Mato Grosso do Sul e empresária do setor. O currículo da futura ministra chamou atenção pelo lado positivo, principalmente porque ela reúne três características preciosas para qualquer gestor público: capacidade de articulação política, experiência administrativa e conhecimento da área. Mas há uma pedra no caminho.
No Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul tramita um processo em que Tereza Cristina é acusada de crimes de gestão fraudulenta, apropriação indébita, omissão de bens e de forjar balancetes. É um litígio familiar — e a acusadora é a própria irmã da futura ministra, Maria Elisa Correa da Costa. A história começa em dezembro de 2010, quando Tereza foi nomeada inventariante da família após a morte de sua mãe. Esse tipo de procedimento tem como objetivo permitir a avaliação do patrimônio para depois dividi-lo entre os herdeiros. O inventariante é uma espécie de administrador e precisa do aval dos herdeiros e de autorização judicial para fazer qualquer movimentação financeira. Na ação a que VEJA teve acesso, Maria Elisa diz à Justiça que o espólio está sendo mal gerido por Tereza Cristina e enumera as irregularidades que, segundo ela, teriam sido praticadas pela ministra ao longo de quatro anos:
– Acusa a ministra de forjar o balancete do inventário, ocultando receitas e incluindo dívidas que somam 18,5 milhões de reais;
– Acusa-a de ter contraído empréstimos sem autorização judicial e movimentar dinheiro do espólio em contas pessoais;
– Acusa-a de fazer desaparecer 1 161 cabeças de gado;
– Acusa-a de não contabilizar lucros dos contratos de cessão de uso das terras da família.
Entre os bens da família, constam três fazendas — Santa Cristina, Santa Eliza e Santo Antônio do Amolar, num total de 6 482 hectares —, além de uma casa, veículos e dívidas que, na época, somavam 1,9 milhão de reais. A VEJA, Maria Elisa disse que as acusações eram uma “questão familiar” e, sem querer entrar em detalhes, informou que já está “tudo resolvido”. No processo, o juiz Luiz Felipe Medeiros de Vieira também levanta suspeitas sobre a gestão da deputada: “Ao contrário da boa administração (…) o que se verifica nos presentes autos é que a pretensão da inventariante (Tereza Cristina) é focada no sentido de contrair mais débitos em nome do espólio”. O magistrado ainda afirma: “As constantes renegociações das dívidas em nome do espólio acabam por postergar o término do inventário, impedindo a apresentação e liquidação de um plano de partilha, o que só beneficia a inventariante que está na posse do acervo”. Procurada, a nova ministra disse que tinha conhecimento das denúncias, mas que tudo não passou de um equívoco da irmã e que o assunto foi encerrado. “Encaminhei à Justiça toda a documentação necessária, e ela viu que não era bem isso. Hoje estamos em paz”, afirma a parlamentar. Em favor de Tereza Cristina, até onde se sabe, há o fato de não haver dinheiro público envolvido no embate judicial. Porém, apesar de se tratar de um litígio familiar, como muitos que envolvem herança e partilha de bens, é bom que não pairem dúvidas sobre o comportamento da futura ministra.
Deus sobretudo
O escolhido do presidente eleito Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério das Relações Exteriores é o diplomata Ernesto Araújo, funcionário de carreira do Itamaraty há 29 anos. Aos 51 anos, ele foi efetivo na embaixada de Washington por cinco anos, entre 2010 e 2015. Até ser escolhido chanceler, na quarta-feira, ocupava o cargo de diretor do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. O cartão de visita de Araújo para ter seu nome incluído na lista de ministeriáveis foi um artigo intitulado “Trump e o Ocidente”, publicado nos Cadernos de Política Exterior do ministério. Nesse texto, o novo chanceler — que nunca ocupou um posto diplomático de primeiro escalão — defendeu a tese de que o Brasil deveria ter um “projeto de recuperação da alma do Ocidente a partir do sentimento nacional”, seguindo os passos do presidente americano, cuja visão, afirma, “tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente”. No texto, de 34 páginas, Araújo usa a palavra Deus em 42 ocasiões. “Somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação.” Araújo ganhou a confiança de Bolsonaro graças a dois de seus filhos, Eduardo e Carlos, que foram apresentados ao diplomata por Olavo de Carvalho, expoente da direita radicado nos Estados Unidos e tornado guru filosófico do clã.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609