Rumor sobre futuro endereço de Bolsonaro já causa confusão entre moradores
Possibilidade de mudança do presidente para condomínio provoca um embate entre residentes de bairro de Brasília e mostra que a polarização está longe do fim
O presidente Jair Bolsonaro sempre teve uma preocupação acima do normal com a própria segurança. Na campanha de 2018, apesar da insistência de alguns assessores, ele só se deslocava em voos comerciais. No imaginário do então candidato, jatos particulares seriam alvos fáceis para eventuais sabotadores. Citava sempre como exemplo a queda do avião que matou o ex-governador Eduardo Campos às vésperas da eleição de 2014. Ninguém tira da cabeça do ex-capitão que a tragédia foi um atentado e não um acidente. A facada que quase ceifou a vida de Bolsonaro mostrou que nem tudo era exagero, e havia, sim, motivos para manter o estado de alerta. No governo, as precauções beiraram a paranoia. O presidente ampliou o staff de vigilância, só se alimenta depois que alguém prova a comida para ver se não tem veneno e, mesmo com o enorme esquema de proteção que existe à sua volta, mantém uma pistola carregada escondida debaixo do travesseiro. A partir do dia 1º de janeiro, tudo isso vai mudar de endereço.
Recentemente, circulou entre os moradores do Jardim Botânico, um bairro de classe média alta de Brasília, a notícia de que o presidente da República, após deixar o governo, vai morar num condomínio da região. Localizado a cerca de 12 quilômetros do Palácio do Planalto, o lugar é afastado do centro da capital, totalmente cercado, monitorado por câmeras e conta com vigilância privada dia e noite — perfeito para quem busca tranquilidade e segurança. Bolsonaro ainda teria como vizinhos dois ex-auxiliares: o atual ministro da Justiça, delegado Anderson Torres, e o secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, almirante Flávio Rocha. O problema são os outros. Desde que o rumor circulou, os moradores se dividiram. Numa rede social, há manifestações a favor e contra a presença do presidente. “Pelo amor de Deus, não acredito. Saio deste condomínio”, escreveu um deles. “Você pode não gostar do Bozo, mas pense em investimento. O Ville vai ter preço de Mar-a-Lago”, ponderou outro, fazendo um paralelo com o lugar onde mora o ex-presidente americano Donald Trump.
Na semana passada, os “contra” radicalizaram. Mandaram instalar um outdoor na região com as palavras “Jair aqui não”. Horas depois, um grupo de bolsonaristas escalou a plataforma e rasgou o painel. A polícia chegou a ser acionada. O clima de conflito obrigou a Associação de Moradores do Condomínio a se pronunciar oficialmente sobre o caso. “Até o momento a Associação de Moradores do Ville de Montagne não recebeu comunicação oficial sobre a vinda de pessoas politicamente expostas para residir em nosso condomínio. Ressaltamos, no entanto, que a Amorville não se manifesta contrária ou favoravelmente a pessoas que tenham escolhido o condomínio como local de moradia”, diz a nota oficial, assinada pelo presidente da entidade, Silvio Avelino, que foi secretário-geral da Mesa da Câmara durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Pouco se sabe sobre os planos de Jair Bolsonaro a partir de janeiro. O PL já montou um escritório de onde o ex-capitão passará a despachar tão logo retorne de um período de descanso em local mantido em segredo. O trabalho, aliás, ficará próximo ao condomínio. Como ex-presidente, Bolsonaro tem direito a dois carros com motorista e oito servidores entre assessores e seguranças — uma estrutura que vai acompanhá-lo pelo resto da vida. Quando deixou o Planalto, em 2010, Lula voltou a morar em seu antigo apartamento em São Bernardo do Campo. A rotina do local foi naturalmente alterada e gerou protestos. No caso de Bolsonaro, a situação é um pouco mais complicada. Um passeio rápido pelas ruas do condomínio mostra o nível da polarização política que divide o Brasil há mais de quatro anos e, ao que parece, continua longe do fim.
Colaborou Leonardo Caldas
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822