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República dos tuítes

Desde que chegou ao Planalto, há pouco mais de três meses, Bolsonaro ultrapassou a marca de 1 500 mensagens postadas nas redes

Por Fernando Molica, Maria Clara Vieira e Jana Sampaio
Atualizado em 4 jun 2024, 16h39 - Publicado em 5 abr 2019, 07h00

Nos 100 primeiros dias de Jair Bolsonaro na Presidência da República, acompanhar o que ele, seus filhos e sua equipe escrevem nas redes sociais foi mais relevante — e, em alguns casos, assustador — do que estar a par dos decretos e portarias publicados no Diário Oficial da União. Animados pelos ótimos resultados obtidos com o uso intensivo das redes na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro e com­panhia continuam a digitar freneticamente comentários, anúncios, explicações, desabafos e uma penca de provocações políticas, coisa tão própria do universo digital.

Desde a posse, em 1º de janeiro, até a última quarta, 3 de abril, o presidente, de acordo com a consultoria Bites, assinou 781 posts no Twitter, uma média de 8,39 por dia. O resultado quase dobra quando são somadas as publicações no Facebook e no Instagram — um total de 1 524 mensagens, o que dá em média 16,3 textos diários. Ele está longe de ser o único, como se sabe: Donald Trump e o israelense Benjamin Netanyahu, pares preferenciais, constam entre os governantes que mais tiram partido da comunicação direta, sem intermediações inconvenientes. Por que tanta preferência? “Falar sem ser interrompido é tentador para os políticos”, diz Marcelo Serpa, professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além disso, ali só ouve o contraditório quem quer. Até agora, a família Bolsonaro não postou um único pedido de desculpas ou reconhecimento de algum erro ou excesso. O máximo que faz é apagar um post silenciosamente.

Nestes pouco mais de três meses de governo, não faltaram atritos nem constrangimentos. Um dos pontos mais baixos foi a postagem pelo presidente, durante o Carnaval, de obscenidades gravadas durante a passagem de um bloco pelo centro de São Paulo. Mas seus três herdeiros que seguem carreira política também abusam da cota de problemas nas redes. O senador Flávio, meio ausente do Twitter depois da revelação das movimentações financeiras suspeitas de um ex­-assessor e suas ligações com milícias (fez apenas 66 postagens neste ano), cometeu a gafe da semana: reagindo à decisão do Hamas de protestar contra a visita do presidente a Israel, mandou um “Quero que vocês se EX­PLO­DAM!!!” ao grupo palestino, responsável por longa lista de atentados, inclusive com homens-bomba — assunto que não se presta a trocadilhos.

No início de março, foi a vez de o deputado Eduardo — recordista da família no uso do Twitter, com 1 560 posts neste ano, quase dezessete por dia — extrapolar, ao reclamar da permissão para que Lula saísse da prisão e fosse ao velório do neto de 7 anos: “Só deixa o larápio em voga posando de coitado”, escreveu. Colheu protestos até de seguidores e procurou explicar-se: disse apenas que defendeu a igualdade de tratamento entre outros presos e lamentou a morte da criança. Pelas redes sociais, o vereador Carlos provocou a maior crise do governo — fritou e demitiu o ministro Gustavo Bebbiano. Para além do âmbito familiar, é ainda no Twitter e no Facebook que o chanceler Ernesto Araújo promove sua diplomacia singularmente heterodoxa e que Olavo de Carvalho, mentor dos novos palacianos, compartilha sua desbocada sabedoria: em 1 000 tuítes a partir de 11 de março, foram 107 palavrões.

A busca pela polêmica é intrínseca à lógica das redes sociais do quanto mais barulho, melhor. “Um post que não gera interações é considerado ‘morto’. Daí o estado de tensão permanente, ainda que às vezes o autor precise voltar atrás”, analisa Sergio Denicoli, pós-­doutor em comunicação digital e sócio da AP Exata. No governo Bolsonaro, além de manterem a fervura alta, os posts têm servido como máquina de propaganda, embora um levantamento da Aos Fatos, agência de checagem, tenha apurado que, dos 68 anúncios de ações do governo feitos no Twitter, 54% correspondiam a celebrações de obras iniciadas em governos anteriores.

O governo também conta com um exército de robôs. A pedido de VEJA, o laboratório de estudos de rede NetLab, da UFRJ, levantou os perfis que mais apoiaram e passaram adiante mensagens de apoio ao presidente através de hashtags no Twitter entre 21 e 29 de março. A conclusão: dos vinte cam­peões de postagens pró-­Bolsonaro, seis eram claramente robôs e outros nove apresentavam movimentação altamente suspeita. O exército robotizado faz as postagens de Bolsonaro chegar a um público maior que os seus 26,9 milhões de seguidores nas redes sociais. A comunicação direta via internet pode, com o tempo, prejudicar a relação do governo com outros poderes e órgãos de Estado, que se sentirão marginalizados. Diz o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “Mobilizar as redes sociais em torno de propostas é um jeito de governar típico de quem não tem compromisso com as instituições”. Em resumo, governar é uma coisa, tuitar é outra.

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PROIBIDO PARA MENORES

(Twitter/Reprodução)

As redes sociais podem representar uma armadilha para qualquer pessoa, principalmente para as figuras públicas, dada a velocidade de disseminação das postagens. Todo o cuidado é pouco. Desde a campanha, no entanto, o time bolsonarista dispensa a precaução e põe fogo no circo, sem medo do exagero. Foi o que aconteceu quando Jair Bolsonaro publicou um vídeo em que homens seminus, sobre uma laje, reproduziam atos grosseiros na passagem de um bloco de Carnaval de rua em São Paulo. Além de chocar, o capitão desencadeou um debate sobre o significado da expressão golden shower. Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, atribuiu a confusão à grita dos adversários esquerdistas.


A REINVENÇÃO DA DIPLOMACIA

(Twitter/Reprodução)

Em matéria de mundo lá fora, o tom dos tuítes no planeta bolsonarista é singelo e nem sempre se atém à veracidade dos fatos. Essa posição fica nítida nas mensagens aqui reproduzidas. Numa delas, dão-se ares de conspiração mundial ao punhado de nações que apoiam o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Em outra, expressa-se encanto com um gesto comum do governo americano de hospedar visitantes estrangeiros na Blair House (pelo menos sete presidentes brasileiros antes de Bolsonaro pernoitaram lá). Quanto ao comentário postado pelo senador Flávio Bolsonaro acerca do Hamas, o grupo palestino que controla a Faixa de Gaza e promove ações terroristas em Israel, o mal-estar superou as expectativas — e o Zero Um decidiu então apagar a postagem, como se as redes sociais não tivessem uma memória implacável.


A FAMÍLIA BOLSONARO

(Twitter/Reprodução)

A eminência parda do governo Bolsonaro divide-se em três cabeças, cada uma com sua conta no Twitter: Flávio, Carlos e Eduardo, o Zero Um, o Zero Dois e o Zero Três. Guardiões da pureza de princípios do pai, os três filhos do presidente — na verdade, dois, já que Flávio, enroscado com a Justiça, anda sumido e tem publicado muito pouco na internet — não titubeiam em dar palpites, pressionar e lançar provocações. Desde o início do governo, a ala mais ponderada do Palácio do Planalto — representada sobretudo pelos militares — vem tentando neutralizar a influência deletéria dos filhos, especialmente do Zero Dois. Até aqui, sem sucesso.


A GUERRA DA EDUCAÇÃO

(Twitter/Reprodução)

Uma das áreas mais relevantes do governo para o futuro do Brasil, o Ministério da Educação virou uma gafieira, com duelo constante entre grupos de olavetes — seguidores de Olavo de Carvalho, mentor do alto pensamento bolsonarista — e grupos do próprio ministro, Ricardo Vélez, que se aferra ao cargo como pode, prometendo até reescrever os livros de história. A missão dos olavetes no MEC é trabalhar pela restauração dos valores morais menosprezados pelo “marxismo cultural” e insurgir-se contra “militares” e “técnicos” no ministério. O Twitter, enquanto isso, fervilha, como palco de todas as perorações ideológicas.

Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629

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