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Quem é o ciclista que irritou Bolsonaro ao perguntar sobre Queiroz

Cofundador de uma fintech de investimentos a empreendedores de baixa renda, Lemuel Simis estava em Brasília para dar uma palestra em evento sobre inovação

Por Leonardo Lellis Atualizado em 7 out 2019, 16h14 - Publicado em 7 out 2019, 14h21

Quando Jair Bolsonaro (PSL) achou por bem responder à pergunta “E o Queiroz?” com um mal educado “com a sua mãe”, não passou por sua cabeça que o ciclista autor da pergunta estaria a várias pedaladas do estereótipo de “mortadela”, “petista” ou “comunista” que as hostes bolsonaristas gostam de usar para definir quem contesta o presidente da República.

O empreendedor Lemuel Simis, de 29 anos, é um dos fundadores de uma fintech, a Firgun, que promove a captação de crédito para pessoas de baixa renda que querem fazer seus pequenos negócios prosperarem. Estava em Brasília para dar uma palestra em uma conferência de inovação quando resolveu dar uma volta com seu sócio para conhecer a capital federal.

O evento em que compareceu para ser ouvido discutiu temas como “capitalismo consciente”, “investimento em tecnologia” e “impacto social” e reuniu gente que passaria longe de qualquer encontro do Foro de São Paulo, como representantes do Banco Mundial ou de multinacionais como Oracle ou Microsoft.

Simis não gastou muito do seu tempo em frente ao Palácio da Alvorada no último sábado, 5. Antes de voltar para o hotel, onde ficou sabendo da repercussão de sua pergunta sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, ele ainda foi ameaçado por um apoiador do presidente, que não gostou da pergunta: “Eu tenho um filho de 30 anos que se te pega, te corta em cinco”, disse o entusiasta de Bolsonaro.

Ele afirma não ter sentido medo e que sua preocupação foi “não baixar o nível”. “Muito do motivo de as coisas não darem certo é esse bate-boca, e se esquecem que o real propósito da política é fazer Justiça e diminuir a desigualdade social. Não há heróis nem alguém que a gente possa endeusar. O problema está na postura de quem não consegue ouvir uma opinião contrária”, afirmou Simis.

É ouvindo que Simis — que se autodefine como liberal e progressista — viabiliza empréstimos a empreendedores de baixa renda. A plataforma que criou não administra nenhum centavo dos beneficiários, mas sustenta seu negócio retendo uma parcela das transações proporcional ao seu tamanho — até 1.000 reais, o custo é zero para o tomador do empréstimo. “Com 500 reais alguém já pode começar um negócio”, diz.

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Ele conta que a companhia tem quase 1.000 investidores cadastrados e, desde 2017, movimentou cerca de 300.000 reais em empréstimos a pessoas físicas. Simis relata que, apesar de mais de 80% dos empreendedores cadastrados na fintech serem negativados, a inadimplência está em 5%, abaixo da média nacional. A clientela é formada por quem não tem acesso à rede bancária e inclui mulheres pobres, negros, público LGBT e refugiados.

“Fazemos uma análise de risco em um processo inclusivo, que aceita negativados e informais, e criamos uma campanha de captação coletiva. Liberamos empréstimos de modo que a parcela a ser paga não ultrapasse 10% da renda média mensal do empreendedor. O investidor pode entrar com valores a partir de 25 reais e seu rendimento será de acordo com o que foi captado pelo empreendedor”, explica — projetos que captam até 3.000 reais não arrecadam juros, embora o valor retorne integralmente; empréstimos de 3.000 a 9.000 reais rendem juros de 6% ao ano; entre 9.000 e 15.000 reais rendem até 12% ao ano.

Logo no início de sua operação, em agosto de 2017, a Firgun recebeu, junto com outros nove negócios sociais, o prêmio na categoria “Ideia Inovadora” da Iniciativa Incluir, organizada pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o Sebrae. A fintech disputou com 850 organizações inscritas.

Embora reconheça os méritos da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), Simis ainda espera os resultados e teme os efeitos de uma nova crise mundial. “O Brasil é um exportador de commodity, não desenvolvemos tecnologia própria, e a indústria cresce pouco. Ao mesmo tempo é uma grande oportunidade. De certa forma, o Brasil começou uma retomada com o fim do governo Dilma, e a reforma trabalhista já destravou alguma coisa. Mas a gente precisa se planejar.”

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Apesar da reação do presidente, Simis não descartaria voltar a Brasília para conversar com Bolsonaro e contar sua experiência. “O governo tem que pensar como uma startup para ser mais rápido e, de fato, estar preocupado com o problema, não só com as soluções”. Já Queiroz, que afirmou fazer dinheiro com a venda de carros usados, não se enquadraria no perfil de sua fintech.

Leia a entrevista:

Por que o senhor quis perguntar ‘onde está o Queiroz’? O Palácio da Alvorada foi a última parada de um passeio turístico pela capital. A maioria das pessoas era simpatizante do presidente e queria demonstrar que também há gente indignada no país. Não esperava uma resposta mas também não me surpreendi. De maneira alguma esta deve ser a postura de um presidente da República

O que acha do governo? Meu trabalho consome todo meu tempo, mas o Bolsonaro, por ser quem é, acaba brigando com todo mundo e não consegue dialogar. O que aconteceu comigo é reflexo disso. Ele não consegue fazer a economia voltar a crescer por causa de seu comportamento imaturo. O Brasil está mais conservador e tem a oportunidade de votar o que precisa ser votado, mas não está acontecendo. Falta um diálogo construtivo. Parece que estamos num bar.

Não vê nada de positivo? Foi neste governo que a a Lei do Microcrédito melhorou e se aumentou o valor máximo para o empreendedor fazer um empréstimo. O limite era de 15.000 reais e passou para 21.000 reais. Os contratos agora podem ser digitais. As pessoas têm que decidir o que elas querem fazer, e o Estado não deve interferir.

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Como surgiu sua empresa? Nós vimos a dificuldade que o microempreendedor tem de tomar crédito. Existem mais de 40 milhões de pessoas que ganham até três salários mínimos por mês e mais de 60% deseja tomar um empréstimo para crescer nos negócios, mas não fazem isso porque os juros são altos, a burocracia atrapalha e o atendimento é pouco humanizado.

E já teve algum caso que funcionou? Tivemos uma empreendedora que pagava 1% de juros ao dia para agiota, trabalhava sozinha e dividia o quarto com o marido e duas filhas na zona leste de São Paulo. Ela fez um empréstimo com a gente e passou a pagar 1% de juros ao mês, se livrou do agiota, viu aumentar seu faturamento em mais de 100% depois de um ano e meio, se mudou para uma casa maior e hoje ela emprega dez pessoas.

O senhor participou de curso de formação de lideranças em Israel. O que acha dessa aproximação que o governo Bolsonaro tenta com o país? Ele está envolvido nesta questão religiosa e acho justo que ele promova relações estreitas com Israel, porque seu eleitores se simpatizam com o país. Eu mesmo sou judeu. É importante trazer tecnologias de Israel para cá ou estabelecer relações comerciais. É um país de primeiro mundo.

Se pudesse, que conselho daria ao presidente? Respirar antes de falar. É preciso sentar com calma para conversar e escutarmos um ao outro para termos um diálogo honesto.

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