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Qual peronismo?

O movimento estará presente na eleição de outubro no esplendor de sua diversidade

Por Roberto Pompeu de Toledo
23 ago 2019, 06h30 • Atualizado em 4 jun 2024, 15h58
  • A piada é antiga. Diante de um estrangeiro curioso da vida argentina, o general Juan Domingo Perón põe-se a explicar o quadro político vigente no país:

    — Temos uma extrema esquerda inclinada a táticas como atentados, sequestros, bombas e assaltos a bancos. Seguem-se uma esquerda pacífica, que se submete ao jogo eleitoral, e uma centro-esquerda que, à moda da social-democracia europeia, aceita o ajuste fiscal e as privatizações do receituário liberal. O centro propriamente dito qualifica-se pelos saudáveis valores da equidistância e do pragmatismo. Enfim, temos as direitas. A primeira, a “direita civilizada”, como diziam os espanhóis, para distingui-la do fascismo franquista, inclui no seu conservadorismo uma intransigente defesa dos direitos civis. A segunda, a extrema direita, toma os adversários por inimigos e tem por meta aniquilá-los.

    — E os peronistas? — pergunta o interlocutor.

    — Peronistas? Ora… Peronistas são todos. To-dos.

    O peronismo estará presente na eleição presidencial de outubro no esplendor de sua diversidade. Dos seis integrantes (candidatos a presidente e vice) das três chapas mais competitivas, cinco são peronistas. Só o atual presidente, Mauricio Macri, não é. Mas, para vice, ele foi colher nas hostes adversárias um senador, Miguel Pichetto, que foi líder do Partido Justicialista (peronista) no Senado e apoiou todos os governos peronistas recentes, de Carlos Menem (1989-1999) a Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015). A chapa favorita, encabeçada por Alberto Fernández e com Cristina de vice, e a que deve ficar em terceiro lugar, formada por Roberto Lavagna e Juan Manuel Urtubey, abrigam exclusivamente peronistas, de variadas qualidades e sabores.

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    O fenômeno peronista intriga tanto pela durabilidade quanto pela dificuldade de entender no que consistiria afinal. Jorge Luis Borges dizia que os peronistas não são bons nem maus; são “incorrigíveis”. O escritor Marcos Aguinis, autor de livro com o provocativo título de O Atroz Encanto de Ser Argentino, afirma que o peronismo é “crença, sonho, conduta e até folclore”, mas “é impossível negar que permeia valores (muitos deles negativos) arraigados em nossa sociedade”. O mesmo autor acrescenta que quem ataca Perón é chamado de “gorila”, uma “chantagem” da qual é difícil escapar. Peronismo, para seus adeptos, equivaleria a povo, a pobres, a desamparados e à própria nação, acrescenta Aguinis. Se é assim, como “atacar tal maravilha”? Temos aí uma boa hipótese para a longevidade, o magnetismo e a elasticidade programática do movimento fundado por Perón, e para o fato de ter hoje tantos representantes entre os presidenciáveis e vice-presidenciáveis. Como ficar fora desse barco? Os presidentes que o fizeram não conseguiram sequer terminar os mandatos. Macri, se não vier a apressar a posse do sucessor, como fez Raúl Alfonsín depois da vitória de Menem, será o primeiro.

    O presidente Bolsonaro reagiu com característica grosseria à probabilidade da volta do peronismo ao poder. O primeiro Perón, o único que pode ser tido por verdadeiro, no poder entre 1946 e 1955, usou e abusou da prisão, da intimidação, da censura e da tortura como métodos de governo. Tivesse isso em mente, Bolsonaro, que já elogiou Pinochet e tem Brilhante Ustra na conta de “herói nacional”, talvez fosse mais compassivo. Outra piada, esta ainda mais antiga, pois Aguinis diz tê-la ouvido em 1950, faz Perón e Evita entrar num cinema, como parte de um passeio, incógnitos, pela cidade. No cinejornal, cada vez que o casal presidencial aparecia na tela, era aplaudido. “Como gostam de nós”, sussurrou Perón à mulher. O espectador atrás cutucou-o: “Vocês não vão aplaudir? Querem ser presos?”.

    Outros Peróns surgidos ao longo dos anos de exílio e depois de sua morte, com destaque para o que possuiria pendores socialistas, são obras de ficção. Tomás Eloy Martínez, autor de O Romance de Perón, pôs na epígrafe do livro uma frase que ouviu da própria boca de seu personagem, nos tempos de exílio em Madri: “Por esta casa passam muitos argentinos, cada um querendo vender uma verdade diferente como se fosse a única. E o que é que eu posso fazer? Acredito em todos”. Perón, o múltiplo, capaz de oferecer verdades à la carte, vicejaria a ponto de o peronismo apresentar-se à eleição deste ano em tão diferentes versões. Bolsonaro precipitou-­se. Devia esperar para aferir que peronismo é esse que vem por aí.

    Publicado em VEJA de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649

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