PSL: o partido da discórdia
Controvérsia em torno da candidatura de Joice Hasselmann à prefeitura de São Paulo expõe a ânsia de poder da legenda
Joice Hasselmann foi uma das principais vozes do bolsonarismo na eleição de 2018, tornou-se a deputada federal mais votada da história do país e virou líder do governo no Congresso. A fim de aproveitar a onda de popularidade, tenta agora se cacifar para disputar pelo PSL a prefeitura de São Paulo em 2020. Falta só combinar com o partido. A forte oposição vem da família presidencial. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, que comanda o diretório paulista, atua nos bastidores para implodir essa candidatura, com o apoio do pai, que desconfia de Joice em razão de sua boa relação com o governador João Doria (PSDB), tido como adversário do capitão na disputa pelo Planalto em 2022. “Ela tem o pé em duas canoas”, chegou a dizer o presidente.
Para barrar os planos de Joice, Eduardo recriou o diretório municipal, que estava inativo. Entregou o comando a Edson Salomão, líder do movimento Direita SP e um dos seus pit bulls, e forçou a convocação de prévias para escolher o cabeça de chapa do PSL para a prefeitura. A expectativa é que Joice não passe pelo crivo ideológico dos filiados. “O eleitorado de Bolsonaro, conservador, não vê com tranquilidade essa relação dela com o PSDB. A social-democracia é de esquerda”, diz Salomão, que pode lançar sua pré-candidatura, assim como o deputado estadual Gil Diniz, braço-direito do Zero Três no PSL-SP. O plano encontra eco entre bolsonaristas, como a deputada federal Carla Zambelli. “Defendo prévias. Se a Joice levantou a mão primeiro dizendo ‘quero ser prefeita’, não necessariamente tem de ser ela. Ela não tem o apoio do presidente”, afirma.
Do lado de Joice está o senador Major Olimpio, que comandou o partido no estado até 2018 e rompeu com Eduardo e sua turma. “Com essa direção incompetente do PSL-SP, a tendência é não ter candidato ou lançar um ‘zé ruela’. Bolsonaro vai passar vergonha em São Paulo”, critica. Joice, por sua vez, reafirma que será candidata, mesmo que tenha de deixar o PSL — já conversa com o PRTB, do vice Hamilton Mourão. E ataca abertamente Eduardo. “Não dá para olhar o partido como se fosse um jardim de infância, com um monte de criança birrenta que pensa em seu próprio umbigo. O que está acontecendo é quase um golpe branco”, afirmou ela em uma entrevista ao Valor Econômico.
A guerra paulista a um ano da eleição é o exemplo mais cintilante da disputa que se anuncia no PSL. Pelo menos vinte dos 53 deputados federais sonham com prefeituras, apostando no ainda alto cacife eleitoral de Bolsonaro. Outra capital onde já há encrenca é o Rio. Deputado estadual, Rodrigo Amorim foi lançado pré-candidato por Flávio Bolsonaro, o Zero Um, presidente do PSL no estado, mas foi atropelado por Bolsonaro pai, que optou pelo deputado federal Helio Lopes. “Soldado não escolhe missão, cumpre”, diz Lopes. “Fui vice na chapa do Flávio na candidatura à prefeitura em 2016. Trago esse recall da última eleição, fui o mais votado da capital”, rebate Amorim.
A ironia na revoada no PSL é que todos foram eleitos pela primeira vez embalados pelo discurso da renovação, mas já cedem a uma chaga da velha política: o carreirismo eleitoral. “Vivemos numa democracia. Quem vai balizar se essa prática é da velha política é o povo”, argumenta o Delegado Waldir (GO), líder do PSL na Câmara. Júnior Bozzella, deputado federal e pré-candidato em Santos, deixa claro que a ideia é aproveitar a boa fase. “Sou do PSL das vacas magras, quando não havia perspectiva de poder”, justifica. Agora, em tempos de vacas gordas, a disputa por espaço ficou feroz no partido da discórdia.
Com reportagem de Roberta Paduan e João Pedroso de Campos
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655