Prisões contestadas
Ministros do Superior Tribunal de Justiça libertam Michel Temer e criticam juiz da Lava-Jato que decretou a detenção preventiva do ex-presidente
O ex-presidente Michel Temer foi solto na quarta-feira 15, depois de passar seis dias detido preventivamente em São Paulo. Acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de comandar uma organização criminosa que teria desviado 1,8 bilhão de reais dos cofres públicos, o emedebista deixou a cadeia por determinação da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por unanimidade, os ministros consideraram a prisão abusiva. Segundo eles, não havia nenhuma justificativa legal para a detenção de Temer. “Não se pode prender porque o crime é revoltante, como resposta a desejos sociais de justiça instantânea”, disse o ministro Nefi Cordeiro em seu voto. “Juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade.”
Embora indireta e sem citar nomes, a crítica do ministro tinha um alvo: o juiz federal Marcelo Bretas. Responsável pela Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, Bretas determinou a prisão de Temer e outras nove pessoas, incluindo o coronel João Baptista Lima, amigo do ex-presidente, por motivos considerados vagos e sem fundamentação. O juiz citou, por exemplo, o fato de os escritórios de Lima receberem limpeza diária, o que poderia sugerir uma destruição de provas, mas não passava de óbvio cuidado rotineiro. Sobre Temer, a prisão se justificaria, entre outras razões, pela “tamanha autoridade”, “elevada responsabilidade” do acusado e por “conveniência da instrução criminal”. O ministro Rogério Schietti, que também votou pela libertação do ex-presidente, foi direto ao ponto ao iluminar o abuso: “Quando se fala em prisão, não há que falar em mera conveniência, mas efetiva necessidade”.
A Constituição estabelece que a prisão preventiva pode ser decretada nas hipóteses de ameaça à ordem pública, risco à instrução criminal e indício de que o acusado pretende fugir. De acordo com os ministros, o ex-presidente não se enquadraria em nenhuma dessas situações. “A despeito da gravidade, não há razão para impor a prisão cautelar”, disse a ministra Laurita Vaz. “Além de antigos os fatos, o prestígio político para a empreitada criminosa não persiste mais”, concluiu o ministro Antônio Saldanha.
A sentença do STJ reacendeu o debate em torno do exagero das prisões preventivas, um instrumento que foi decisivo para desmontar o esquema de corrupção revelado pela Lava-Jato. Em cinco anos de investigação, houve 350 mandados de prisão preventiva. “Embora as prisões cautelares decretadas recebam críticas pontuais, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, se impõe a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”, justificou o então juiz e hoje ministro Sergio Moro.
Críticos da Lava-Jato afirmam que as detenções preventivas passaram a ser usadas como antecipação de pena ou como meio de forçar delações. Há casos que somam mais de dois anos de duração. O ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), aquele dos 51 milhões de reais, está preso preventivamente há mais de 620 dias. O ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) ficou encarcerado preventivamente 603 dias até que começasse a cumprir pena por corrupção. Antes de passar a usufruir o acordo de delação premiada, o petista Antonio Palocci ficou detido por 793 dias. “Não se pode usar a prisão preventiva para satisfazer a opinião pública”, disse o ministro Gilmar Mendes, do STF. Ele está correto. Mas também não se deve usar a lerdeza da Justiça como muleta para a impunidade de corruptos. Há que encontrar um equilíbrio.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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