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Destino do governo Bolsonaro passa pelo que Queiroz pode revelar

A detenção do ex-policial numa casa do advogado do presidente leva o escândalo das rachadinhas à rampa do Palácio do Planalto

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 14h14 - Publicado em 19 jun 2020, 06h00

O mais potente de todos os golpes desferidos até agora em direção ao presidente da República ocorreu na quinta-feira 18, com a prisão do ex-policial Fabrício Queiroz, suspeito de ser laranja da família Bolsonaro e considerado testemunha-chave na investigação do esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje senador. A prisão, por si só, já representaria um fator de desgaste para o presidente Jair Bolsonaro, que sempre reclamou do uso do caso para desestabilizar o seu governo. Mas ela tem uma agravante: Queiroz foi detido numa casa em Atibaia, no interior de São Paulo, que pertence ao advogado Frederick Wassef, defensor de Flávio no inquérito da rachadinha e detentor de uma procuração assinada pelo presidente lhe dando amplos poderes para representá-lo na Justiça. Ou seja, dependendo do que vier a ser descoberto de agora em diante, ficará cada vez mais difícil estabelecer uma barreira separando Queiroz e suas transações financeiras suspeitas dos ex-­patrões Flávio e Jair Bolsonaro.

Não é exagero dizer que o destino do governo passa pelo que o ex-po­licial pode revelar. Desaparecido desde que explodiu o escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no fim de 2018, Queiroz virou uma espécie de assombração. A suspeita das autoridades é de que ele recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio e repassava os valores ao próprio deputado. As investigações já revelaram que ele movimentou 7 milhões de reais entre 2014 e 2017. Para não deixar rastros, o dinheiro era arrecadado e depositado em espécie. O Ministério Público também encontrou um repasse de Queiroz para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro (24 000 reais). O presidente, em entrevista, disse que se tratava de pagamento de um empréstimo. Na única vez que se pronunciou sobre o caso, Queiroz disse que ganhou dinheiro comprando e vendendo carros. Depois disso, sumiu do mapa. Não deu mais entrevistas, mudou de endereço, trocou o número dos telefones e o máximo que se sabia dele, revelado por VEJA em agosto de 2019, é que estava em São Paulo, submetendo-se a tratamento de um câncer.

QUEIROZ
A PRIMEIRA PISTA - Em agosto do ano passado, VEJA revelou que o ex-policial fazia tratamento de um câncer no Hospital Albert Einstein, em São Paulo (Reprodução/VEJA)

Depois de mais de um ano da eclosão do caso, a Justiça do Rio autorizou a prisão preventiva de Queiroz e da mulher dele, Márcia Aguiar, após investigadores reunirem evidências de que o ex-assessor poderia eliminar provas importantes para o esclarecimento do caso da rachadinha. Segundo os promotores, Queiroz mantinha contato com outras testemunhas com o objetivo de atrapalhar as apurações em curso. Ex-funcionária do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio e ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, amigo de longa data de Queiroz, Danielle da Nóbrega escreveu numa mensagem que tinha sido avisada de sua demissão pelo “amigo”. Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro deste ano, respondeu: “O amigo pediu pra vc não ir em lugar nenhum e tbm não assinar nada (sic)”. O amigo, de acordo com os investigadores, era Queiroz. Em outra mensagem, a mulher de Queiroz chega a compará-lo com um preso que estava “dando ordens” e “resolvendo tudo”.

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Acharam o Queiroz. E perto demais
Acharam o Queiroz. E perto demais Leia nesta edição: como a prisão do ex-policial pode afetar o destino do governo Bolsonaro e, na cobertura sobre Covid-19, a estabilização do número de mortes no Brasil ()
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A operação para prender o ex-policial foi batizada de “Anjo”, numa referência ao advogado Wassef, que se apresenta como o protetor da família presidencial. Como convém a operações dessa natureza, tudo foi planejado sob grande sigilo. Os policiais chegaram a Atibaia às 6 da manhã, tocaram a campainha e, como ninguém atendeu, arrombaram a porta. Queiroz estava dormindo numa cama improvisada. “Ele perguntou o que era a prisão. Leu com calma o mandado e fez contato com a filha dele para avisar que estava sendo preso, mas estava bem”, afirmou o promotor Jandir Moura, responsável pela operação. A polícia apreendeu com ele dois telefones celulares, documentos e uma pequena quantidade de dinheiro. O ex-­PM foi transferido para o Rio de Janeiro, onde será interrogado nos próximos dias — o momento mais delicado da investigação que começou quando Jair Bolsonaro ainda era candidato a presidente da República.

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NO FURACÃO - O advogado Frederick Wassef repete sempre que o caso é uma conspiração política contra o presidente (Fabio Motta/AFP)

A prisão de Queiroz põe em risco a estratégia da família Bolsonaro para tentar enterrar o caso da rachadinha e suas implicações políticas. O plano era manter o ex-PM escondido, distante do alcance dos investigadores, até que o advogado Frederick Wassef conseguisse na Justiça o arquivamento do caso. Desde o início do ano passado, Wassef apresentou inúmeros recursos, em diferentes instâncias, com esse objetivo, mas até aqui fracassou. O último deles seria julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira passada, mas a análise foi adiada a pedido da própria defesa. Wassef sempre alegou que o senador é inocente e a família, alvo de uma conspiração. Em conversas reservadas, dizia temer que o ex-assessor, se fosse preso, pudesse ser coagido a testemunhar contra os Bolsonaro. Por trás dessa trama, segundo ele, estaria o governador do Rio, Wilson Witzel, adver­sário de Bolsonaro, que usaria para fins políticos seus aliados na polícia, no Ministério Público e na Justiça fluminenses. O que não se sabia é que o próprio advogado se encarregara de manter o ex-policial fora do alcance de quem quer que fosse.

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“Valeu, valeu, meu irmãozão. Obrigado por tudo aí, tá? Gratidão não prescreve, cara, não prescreve mesmo. O que você está fazendo pelas minhas filhas aí, cara, não tem preço. Serei eternamente grato, entendeu?”

Fabrício Queiroz em áudio obtido por VEJA

Em abril passado, VEJA revelou como o caso preocupava os Bolsonaro. Em conversas reservadas, membros da família manifestavam a apreensão com a possibilidade de, diante da crise política e econômica e da perda de popularidade do presidente, haver a prisão de Queiroz e de seus familiares, o que poderia levá-lo a contar os seus segredos. O objetivo da ação não seria atingir apenas Flávio, mas principalmente desestabilizar o governo. Àquela altura, Queiroz parecia sob controle, como mostrou um áudio revelado por VEJA. Disse o ex-PM na gravação: “Valeu, valeu, meu irmãozão. Obrigado por tudo aí, tá? Gratidão não prescreve, cara, não prescreve mesmo. O que você está fazendo pelas minhas filhas aí, cara, não tem preço. Serei eternamente grato, entendeu?”. A promessa de gratidão — não se sabe a quem — foi feita quando Queiroz já estava escondido no sítio de Wassef. Ela reforça a hipótese de que havia um esquema de blindagem patrocinado pela família Bolsonaro desde o início do escândalo para evitar que o ex-PM fosse alcançado pela polícia.

DEPOIMENTO DE PAULO MARINHO OPERAÇÃO FURNA DA ONÇA
EXCLUSIVO - Em depoimento à PF, o empresário Paulo Marinho confirmou a preocupação que havia com a possibilidade de o caso resvalar no presidente (Saulo Angelo/Futura Press)
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Ex-aliado convertido em desafeto, o empresário Paulo Marinho fortaleceu essa versão. Ele contou à Polícia Federal que, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018, três assessores de Flávio foram avisados por um delegado de que seria deflagrada uma operação, batizada de Furna da Onça, que alcançaria Queiroz e familiares dele empregados nos gabinetes da família Bolsonaro. A operação teria sido adiada para depois da votação, a fim de não atrapalhar a campanha de Jair Bolsonaro, conforme relato do tal delegado. Com base nessas informações, Jair e Flávio demitiram o ex-assessor e seus parentes, numa tentativa de se antecipar às revelações das transações financeiras milionárias de Queiroz, finalmente tornadas públicas em dezembro de 2018, quando o ex-capitão já estava eleito presidente da República. Em depoimento sigiloso de cinco horas na Superintendência da Polícia Federal no Rio, Marinho afirmou ter ouvido todos os detalhes desse enredo numa reunião com o próprio Flávio, de quem é suplente.

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APREENSÃO – Flávio e Jair Bolsonaro, ao lado de Queiroz: o ex-PM era amigo pessoal e assessor de confiança da família (//Reprodução)

“O Coaf disse que há movimentações financeiras suspeitas e incompatíveis com o patrimônio do Queiroz. Mas quem tem de responder a isso é o Queiroz. Estou chateado porque houve depósitos na conta dele, ninguém sabia disso, e ele tem de explicar isso daí.”

Presidente Bolsonaro em entrevista a VEJA
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“O senador Flávio Bolsonaro começou relatando que estava muito preocupado com a questão Queiroz”, afirmou o empresário no depoimento, ao qual VEJA teve acesso. Em outro trecho, Marinho ressalta que o senador também se disse “muito preocupado com a possibilidade desse fato causar um dano ao governo do pai dele” e que o parlamentar “ficou emocionado e chegou a lacrimejar”. O empresário contou ainda que ele, Flávio e Gustavo Bebianno, à época braço direito de Jair Bolsonaro, decidiram contratar um advogado. Vários foram consultados, mas, durante as negociações, um azarão assumiu o caso: Frederick Wassef, com a bênção de Jair Bolsonaro. Wassef sempre teve uma preocupação especial com Queiroz. Uma demonstração disso foi a recente indicação que ele fez, para defender o ex-PM, do advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representa também a família do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, antigo parceiro de Queiroz. São muitos os elos soltos. Fabrício Queiroz, acreditam os investigadores, é o único que pode unir todos eles.

Com reportagem de Cássio Bruno

Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692

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