Pesquisa exclusiva mostra batalha nas redes entre governo e oposição ainda mais acirrada
Levantamento aponta que Lula melhorou a sua posição na disputa. Segundo adversários, às custas de investimentos milionários e uso de robôs
Jair Bolsonaro quebrou um paradigma na política brasileira ao vencer a eleição presidencial de 2018 por um partido nanico, com um tempo exíguo na propaganda de TV e poucos recursos públicos à disposição de sua campanha. O capitão se beneficiou do estrago causado pela Operação Lava-Jato nos partidos tradicionais e conquistou o eleitorado com uma intensa atuação nas redes sociais, nas quais era celebrado como “mito”. Desde então, os bolsonaristas dão uma surra na esquerda no universo digital. Desde então, Lula e seus principais auxiliares consideram prioridade reorganizar a esquerda para o debate na seara virtual, o que ganhou impulso com o trabalho de dois marqueteiros, Sidônio Palmeira, nomeado ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, e Otávio Antunes, que presta serviço ao PT. Neste ano, empresas independentes até detectaram algumas vitórias dos governistas sobre os oposicionistas nas redes. Nada, no entanto, que tenha equilibrado o jogo. Em termos de competitividade, Lula ainda tem um longo caminho a percorrer, mas já estruturou minimamente sua base para uma tentativa de reação — e avançou sobre um território que lhe era completamente hostil.
Essa recuperação, cuja sustentabilidade será colocada à prova nos próximos meses, foi captada por um levantamento feito pela Nexus — Pesquisa e Inteligência de Dados. Realizado com base em análises da internet entre janeiro e julho, o estudo mostra que, nesse período, Lula liderou um ranking de relevância nas redes sociais composto por onze nomes cotados para concorrer ao Palácio do Planalto. Para definir as posições de cada um deles na tabela, a Nexus colheu indicadores como número de publicações, quantidade de seguidores, engajamento e média de interações por post no Instagram, TikTok, X, YouTube e Facebook. A partir dos dados colhidos, atribuiu uma nota de zero a 100 a cada presidenciável. Somando os resultados das cinco plataformas, Lula ficou em primeiro lugar, com 79,76 pontos, seguido pelo deputado Eduardo Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas, o ministro Fernando Haddad e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (veja a arte). Inelegível e condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro não foi considerado na elaboração da lista.
O levantamento também traz um recorte sobre cada plataforma separadamente. Lula, que atua nas cinco redes, lidera em duas delas: TikTok e Instagram. Nas demais, ocupa a segunda colocação. O presidente, portanto, tem uma atuação abrangente e consistente. Não é o que ocorre com seus rivais. Preferido de líderes do Centrão e de setores da elite econômica para concorrer à Presidência, Tarcísio de Freitas aparece bem na média, mas só figura entre os três primeiros colocados no TikTok, no qual aparece na vice-liderança, com 39,27 pontos, muito atrás de Lula, com 98,78 pontos. No placar geral, as posições de Eduardo e Michelle Bolsonaro poderiam ser melhores, já que o deputado não participa do TikTok e a ex-primeira-dama só tem contas no X e no Instagram. Autoexliado nos Estados Unidos, para onde se mudou a fim de convencer Donald Trump a pressionar o governo, o Congresso e o Judiciário a absolver Jair Bolsonaro, Eduardo supera Lula no X, no Facebook e no YouTube, usados para divulgar mensagens de apoio ao pai dele e de críticas à gestão petista e ao STF. “A direita está num momento de indefinição, com vários players tentando se colocar, e o ambiente digital de alguma maneira repercute isso”, afirma o CEO da Nexus, Marcelo Tokarski.
O avanço de Lula no terreno digital coincide com a recuperação de parte de sua popularidade, algo detectado por vários institutos de pesquisa em levantamentos recentes. No período monitorado pela Nexus, houve queda da inflação dos alimentos e o tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil. Sem outras grandes bandeiras de sua gestão atual, Lula tratou de agarrar a oportunidade, batendo na tecla do discurso nacionalista. Em outros termos, o período foi favorável ao petista, o que certamente facilitou o fortalecimento de sua imagem nas redes. Vale ressaltar ainda que o avanço do presidente está longe de significar vitória nesse campo, dada a grande dianteira pavimentada pela direita contra a esquerda nas redes nos últimos anos. A vantagem do campo rival segue relevante, conforme reconhecem os próprios governistas. Prova da força do discurso de oposição ocorreu na polêmica do Pix, em janeiro, quando um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), um especialista no ramo, atingiu rapidamente mais de 300 milhões de visualizações, forçando o governo a revogar a norma da Receita Federal que ampliava a fiscalização das transações.
Devido a episódios como o do Pix, Lula sempre reclamou em seu terceiro mandato da comunicação do governo, responsabilizando-a pelos baixos índices de aprovação de sua gestão. Seus auxiliares reforçaram o coro e pediram atenção redobrada às redes sociais. Na virada de 2024 para 2025, o presidente decidiu trocar o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, substituindo o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, que foi responsável pela campanha presidencial vitoriosa de 2022. Com carta branca, Palmeira demitiu um nome indicado pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e entregou as redes sociais do governo a Mariah Queiroz Silva, que trabalhava para o prefeito do Recife, João Campos (PSB), considerado um caso de sucesso no universo digital. A estreia da dupla no Planalto não foi fácil. De cara, tiveram de lidar com o vídeo de Nikolas Ferreira.
A surra digital da oposição continuou. Lula e sua equipe só conseguiram começar a sair das cordas quando passaram a alinhar assuntos de apelo popular com postagens capazes de provocar engajamento. O primeiro tiro certeiro foi dado com a promessa de cobrar mais imposto de quem ganha mais para reduzir o fardo de quem ganha menos. O segundo, com o discurso em defesa da soberania, da economia e dos empregos brasileiros, entoado em resposta ao tarifaço patrocinado por Trump, supostamente por influência da família Bolsonaro. Sob a batuta de Palmeira e Mariah, o governo deixou de lado um tom mais institucional e abraçou de vez a linguagem, os memes e as tendências das redes sociais. Em vez dos tradicionais releases, gatinhos para explicar o que é justiça tributária. Entrevistas de ministros passaram a ser traduzidas por artistas e influenciadores recrutados especialmente para a missão. Numa peça recente, o apresentador João Kleber adaptou seu popular quadro Teste de Fidelidade para mostrar quem de fato ama o Brasil — seria Lula, e não a dupla Bolsonaro e Tarcísio, obviamente.
Todo esse esforço tem um custo. Neste ano, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência investiu 379,8 milhões de reais em todos os tipos de mídia, até o dia 22 de outubro, o que supera o valor pago no ano passado: 377,6 milhões de reais. Os gastos com redes sociais deram um salto significativo. A Meta — que reúne, entre outros, Instagram, Facebook e WhatsApp — recebeu em 2025, até agora, 41,3 milhões de reais, mais de três vezes o montante de 2024: 13,4 milhões de reais. Proporcionalmente, o crescimento foi ainda maior no caso do TikTok: de 1,37 milhão de reais no ano passado para 5,27 milhões de reais neste ano. O governo diz que o custo com influenciadores que participam de peças oficiais é arcado pelas agências contratadas pelo Planalto. Já outra parcela dessa turma agiria por livre iniciativa, ou, como se diz, pela causa. Dois dos mais importantes ministros de Lula, Fernando Haddad e Marina Silva (Meio Ambiente), receberam recentemente quatro influenciadores cada um para rodadas de conversas.
O objetivo desse tipo de iniciativa é franquear a produtores de conteúdo com boa audiência nas redes sociais acesso ao governo, o que poderia levá-los, em retribuição à deferência, a ajudar na batalha com a oposição. A Secretaria de Comunicação Social também abriu uma licitação para contratar três empresas que cuidarão da comunicação digital da gestão Lula, a um custo de quase 100 milhões de reais por um período de doze meses, que pode ser prorrogado. O edital diz que os vencedores serão responsáveis, por exemplo, pela “moderação de conteúdo e de perfis nas redes sociais, análise de sentimentos e o desenvolvimento de proposta de estratégia de comunicação nos canais digitais com base na inteligência dos dados colhidos”. O escrete de Lula, portanto, entrará no ano eleitoral organizado e reforçado para conquistar mentes e corações no ambiente virtual.
Um dos principais responsáveis pela estratégia de comunicação da oposição, que pediu para não ser identificado, reconheceu a VEJA que o investimento feito pelo governo está dando resultado, mas suspeita que o avanço está sendo impulsionado pelo dinheiro. Esse detalhe, se verdadeiro, faz diferença. O engajamento na esquerda seria artificial, enquanto na direita seria mais orgânico. Além disso, a esquerda produziria conteúdo de cima para baixo, do comando da cadeia política para a base, enquanto na direita a divulgação se daria de forma autônoma e espraiada por uma infinidade de perfis de apoiadores de carne e osso. “É claro que percebemos que a esquerda começou a aparecer mais do que o habitual, só que nunca superou o engajamento que a direita possui nas redes sociais. Percebemos esse movimento na época do tarifaço e da campanha que o PT fez do ‘nós contra eles’”, diz Michelle Rodrigues, secretária de comunicação do PL.
Ela afirma ainda que a vantagem petista só ocorreu porque houve uso de robôs, perfis que fariam mais de 3 000 posts por dia. “Detectamos que o crescimento do PT nas redes sociais é inorgânico”, afirma. Um monitoramento de plataformas feito pela ferramenta Brandwatch entre julho e setembro reforçou a suspeita. De acordo com o estudo, o perfil mais ativo (@tvcidooficial, no X) publicou, no período, 13 754 vezes sobre Lula, uma média de 214 menções por dia, chegando em alguns dias a ultrapassar 1 000 publicações. Entre as palavras mais utilizadas pelos perfis que mais falaram sobre Lula estão termos como “Brasil”, “soberano”, “guerreiro”, “Congresso”, “Bolsonaro preso”, “Lula é o povo”, entre outros. O uso de robôs é obviamente negado pela comunicação do governo e do PT. A situação traz ainda uma ironia: agora é a vez da direita se dizer vítima de golpes baixos na arena digital.
Com ou sem robôs, a melhora de desempenho de Lula e companhia nas redes tem outro ingrediente importante: o uso de inteligência artificial, empregada pelo marqueteiro Otávio Antunes nos primeiros vídeos divulgados pelo PT para defender a taxação dos super-ricos ou a “taxação BBB”, em referência a bancos, bilionários e bets. Sob reserva, alguns petistas dizem que o trabalho de Antunes foi determinante para fazer com que a equipe de Sidônio se mexesse. O partido teria puxado o Planalto. Essa versão é rechaçada por integrantes do Palácio, que admitem que os dois marqueteiros disputam nos bastidores os louros pela reação na arena digital e até o direito de comandar a comunicação de uma eventual campanha à reeleição de Lula.
Se filho feio não tem pai, qualquer rebento mais ajeitadinho logo provoca uma disputa de paternidade. O fato é que o PT também aparece como protagonista no levantamento da Nexus. A empresa fez um ranking de relevância nas redes sociais com os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral usando os mesmos critérios adotados no caso dos presidenciáveis. A legenda de Lula ficou em primeiro lugar no placar geral, com 93,34 pontos, e também liderou em cada uma das cinco plataformas analisadas individualmente. Em linha com a polarização reinante no país, a segunda posição ficou com o PL de Bolsonaro.
Na busca pelos votos dos eleitores, só os perfis dos candidatos e dos partidos não bastam. O embate nas redes sociais requer investimento financeiro, mobilização de tropas, linguagem específica, entre outras coisas. Exige uma linha de transmissão de mensagens abrangente, eficiente e de longo alcance, capaz de atingir todo tipo de eleitor. De olho nisso, o PT lançou o projeto Pode Espalhar, reunindo 100 influenciadores que, em sintonia fina com o partido, produzirão e compartilharão conteúdos. É uma tentativa de repetir o que os petistas chamavam de “gabinete do ódio” na gestão Bolsonaro, mas que a esquerda, no seu caso, chama com certo cinismo de “gabinete do amor”. Além de fazer propaganda dos feitos do governo, os canais do partido disparam petardos contra os adversários, comemoram reveses da oposição, elegem alvos políticos prioritários e, vez por outra, escorregam em alguma postagem que poderia ser classificada como fake news.
Ataques, xingamentos, mentiras e provocações à parte, o peso das redes sociais nas eleições é inegável. Para Letícia Capone, professora da PUC-Rio e diretora do Instituto Democracia em Xeque, as ferramentas digitais ganharam relevância nas campanhas porque amplificaram o alcance das mensagens, mas ainda não determinam sozinhas o resultado da votação. Prova disso é a vitória de Lula sobre Bolsonaro em 2022. Ou a derrota do agora ministro Guilherme Boulos (PSOL), um sucesso nas redes, para Ricardo Nunes (MDB) na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2024. “Está em jogo uma interseção de fatores, como a conjuntura econômica, as alianças e os índices de rejeição, mas é inegável reconhecer que as redes sociais possuem um potencial considerável de ter um impacto significativo na disputa eleitoral”, afirma a professora. Ela lembra que fatias expressivas do eleitorado se informam cada vez mais por meio das plataformas.
Segundo pesquisa Genial/Quaest de outubro, a população se atualiza sobre política principalmente pela TV, citada por 39% dos entrevistados, mas as redes sociais já aparecem em segundo lugar, com 35% de preferência. Esse quadro torna a disputa não só permanente como intensa. Professora de antropologia na Universidade Federal de Santa Catarina e autora do livro O Mundo do Avesso: Verdade e Política na Era Digital, Letícia Cesarino afirma que hoje não seria possível ganhar uma eleição e até mesmo governar sem trafegar pelas redes. O governo Lula, por exemplo, só conseguiu fazer avançar a proposta que amplia a faixa de isenção do IR depois de manifestações de rua pressionarem o Congresso. “Quando se consegue transpor a multidão digital para a multidão off-line, como o governo conseguiu fazer nesse caso, você vê o resultado. Antes quem fazia isso era só o Bolsonaro”, afirma a professora. É justamente esse o grande desafio dos presidenciáveis em 2026: transformar seguidores e engajamentos em eleitores e votos.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967








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