Partidos terão R$ 4,9 bi dos cofres públicos, mas doações seguem em alta
Por mais que haja reclamação sobre o alto valor do fundo eleitoral que será distribuído em 2022, não faltam dinheiro nem doadores para as campanhas
Após a redemocratização, dinheiro nunca foi um problema para as campanhas políticas no Brasil. A regra era a fartura de doadores privados, principalmente empresas interessadas em negócios com o governo, que repassavam recursos a candidatos e partidos por diferentes motivos, de afinidade programática a expectativa de receberem retribuição na forma de favores oficiais. Parte das contribuições percorria os caminhos legais e era declarada à Justiça Eleitoral. Outra parte, no entanto, transitou na clandestinidade e deu origem a grandes escândalos de corrupção, como os Anões do Orçamento, o mensalão e o petrolão. A promiscuidade entre certos financiadores e detentores de mandato levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a vetar em 2015 as doações de pessoas jurídicas, como empreiteiras e bancos. Na época, alegava-se ser imprescindível implodir um mecanismo corrompido e baratear as campanhas. Tudo em defesa da moralidade e dos cofres públicos. Acostumada à verba fácil, a classe política reagiu. Sob o argumento de que “a democracia tem custo”, aprovou a criação de um fundo eleitoral com recursos do Orçamento para financiar as campanhas — e não economizou na iniciativa.
Em 2018, o fundo distribuiu 1,8 bilhão de reais, valor que foi alvo de contestação por setores que o consideravam exorbitante. Não adiantou nada. Em 2022 serão liberados 4,9 bilhões de reais, o equivalente ao dobro do que será gasto com a recente decisão de Jair Bolsonaro de subsidiar o transporte de passageiros com mais de 65 anos. Mesmo assim, há quem ache pouco. É o caso do PL, o partido do presidente da República. A legenda receberá 288 milhões de reais do Fundo Eleitoral neste ano, a sétima maior fatia do bolo (veja o quadro). A parcela a que cada sigla tem direito é calculada com base no tamanho das bancadas de deputados federais eleitas na campanha anterior. Em 2018, o PL elegeu 33. O problema é que, depois da filiação de Bolsonaro, sua bancada cresceu e chegou a 77 integrantes. O fundo eleitoral terá de bancar a candidatura desses 77 deputados, de quinze postulantes ao Senado, de doze concorrentes a governos estaduais e do próprio Bolsonaro. É muita gente para pouca verba, dizem os expoentes do partido, que agora reclamam das dores do crescimento. “É absolutamente insuficiente o fundo eleitoral do PL. A questão dos financiamentos das campanhas é um problema grave”, afirma Altineu Cortes, líder do partido na Câmara.
Diante da alegada dificuldade de caixa, o PL pretende repassar 1 milhão de reais a cada deputado federal da legenda que concorrerá neste ano. A cifra está abaixo da média de mercado formado pelas agremiações de médio e grande portes. O PP, que não se esforçou para filiar Bolsonaro e prioriza a eleição para a Câmara dos Deputados, destinará 2,5 milhões de reais a cada um dos 58 integrantes de sua bancada. Dono da segunda maior fatia do fundo eleitoral, o PT deve repassar 2 milhões de reais a cada deputado federal. Comandado por Valdemar Costa Neto, o PL espera melhorar seu caixa com doações de pessoas físicas, que são autorizadas por lei. Recentemente, o partido divulgou um vídeo em que o próprio Bolsonaro, que sempre fez questão de manter certa distância regulamentar do tema, aparece pedindo contribuições. “O nosso partido cresceu e muito e nós precisamos obviamente de recursos para fazer que o partido cresça cada vez mais”, diz o presidente na peça. “Não interessa quanto você possa doar, interessa é que venha do coração para o bem do nosso Brasil.”
Em meio a um cenário de campanha acirrada, Bolsonaro se tornou parte mais do que interessada no assunto. Em 2018, ele declarou ter gasto apenas 2,8 milhões na campanha. Neste ano, é certo que desembolsará uma quantia próxima ao teto de gastos fixados pela Justiça Eleitoral para candidaturas presidenciais, que é de 88,3 milhões de reais. Boa parte das despesas decorrerá do que os coordenadores de sua campanha chamam de profissionalização da candidatura, que já conta com um marqueteiro e dedicará atenção especial à estratégica — e custosa — propaganda eleitoral na televisão. Para bancar a busca pela reeleição, o PL terá de recorrer às doações de pessoas físicas. Até aqui, os pedidos de colaboração têm sido feitos por Valdemar e pelo senador Flávio Bolsonaro, o primogênito do presidente, em encontros com empresários e banqueiros. Reservadamente, pessoas próximas a Bolsonaro dizem que os recursos obtidos até agora pelo PL são insuficientes e reclamam também da dificuldade de fazer a roda girar. Um dos motivos seria a postura do próprio presidente, que não estaria se empenhando para se reunir com possíveis doadores.
Nos últimos dias, Bolsonaro declinou de um convite para participar de um encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — convite aceito por seu principal rival, Lula, que compareceu ao evento na entidade na última terça-feira, 9. “Como é que o presidente dá cano em figurões do PIB brasileiro? A Fiesp e o PIB estão abraçando o Lula”, reclama uma pessoa próxima ao mandatário. Enquanto passa o pires, o PL aposta que pelo menos empresários reconhecidamente bolsonaristas, como Luciano Hang, ou ligados ao agronegócio ajudarão financeiramente o candidato à reeleição. Neste ano, o partido já angariou pelo menos 2,5 milhões de reais em doações de pessoas físicas ao seu diretório nacional. A prestação de contas não precisa ser feita em tempo real, o que dificulta o mapeamento exato dos valores recebidos. A maior contribuição individual, de 600 000 reais, foi feita por José Felipe Diniz, acionista do Banco Inter. Quatro integrantes da família que é proprietária da operadora de saúde Hapvida doaram juntos 1,25 milhão de reais — cada um deles contribuiu com a quantia de 312 500 reais.
Nesse quesito, a situação do PT é mais confortável. O diretório nacional da legenda já recebeu pelo menos 8,5 milhões de reais na fase de pré-campanha. Os quatro integrantes da família dona da Hapvida repassaram a mesma quantia de 1,25 milhão de reais, valor que destinaram também ao MDB da senadora Simone Tebet. É da tradição brasileira o financiador repassar recursos para todos os concorrentes — ou pelo menos aos mais competitivos — para não ficar mal com ninguém. Ao contrário do PL, que prioriza as campanhas para deputado federal, uma vez que o prestígio do partido depende da força de sua bancada na Câmara, o PT concentra as energias principalmente em Lula. Até aqui, o maior doador individual ao diretório nacional da legenda foi Jonas Barcellos Correa Filho, da Brasif, com 2,1 milhões de reais. Com ou sem doações de pessoas físicas, o ex-presidente receberá todos os recursos necessários.
No fim de junho, Lula participou de um jantar organizado pelo Grupo Prerrogativas — formado por advogados que militaram por sua libertação e contra a atuação de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato — para agradecer as doações recebidas e pavimentar o caminho para que outras sejam feitas. Há a expectativa de que artistas e influenciadores ajudem a sigla a captar mais doações. Em 2022, o ex-presidente terá um tesoureiro específico para a sua campanha, diferente do tesoureiro do partido. Será Márcio Macêdo, que assumiu recentemente o mandato de deputado federal e é conhecido pela discrição. Houve um tempo em que uma mesma pessoa cuidava do caixa do partido e da candidatura presidencial, mas esse sistema foi abandonado depois que alguns companheiros, como Delúbio Soares e João Vaccari Neto, acabaram presos acusados de participar de esquemas de corrupção. Com a deflagração da Operação Lava-Jato, o fluxo de recursos de empresas para campanhas foi formalmente interrompido por decisão do STF e deu lugar ao financiamento com recursos públicos. A troca de modelo não mudou um ponto essencial: por mais que haja reclamação, não faltam dinheiro nem doadores para as campanhas eleitorais.
Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802