Partidos de centro com ministérios no governo sinalizam oposição a Lula em 2026
Em inserções na TV e no rádio, siglas fazem críticas à gestão atual, exaltam rivais do presidente e indicam que podem não estar com o petista na eleição

Em 2003, quando iniciou seu primeiro ano na Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva tinha o apoio de nada menos que onze das quinze legendas na Câmara. Embora contasse com uma frente ampla na Esplanada e no Congresso, ele imaginava que teria de reproduzir o máximo possível essa aliança na eleição seguinte, quando faria nova disputa contra o bloco oposicionista liderado pelo PSDB. No primeiro semestre de 2006, chegou a oferecer a vaga de vice-presidente, que estava com José Alencar (do então pequeno PL), para o gigante PMDB liderado pelo governador Orestes Quércia. O esforço, no entanto, não vingou e Lula foi para a reeleição abraçado apenas pelo PT e pelos minúsculos PCdoB e PRB (hoje Republicanos). Quase vinte anos depois, às vésperas de buscar outra recondução ao cargo, o petista convive dramaticamente com a possibilidade de ver, de novo, boa parte dos partidos que ocupam cadeiras ministeriais subir nos palanques da oposição. Uma amostra desse movimento está nas inserções partidárias obrigatórias de rádio e TV feitas pelos principais partidos de centro nos últimos dias, cujo tom é o de quem, apesar de integrar o governo, caminha firme para bem longe dele.
Um exemplo bastante claro é o do PSD, liderado pelo aliado de todo mundo, Gilberto Kassab. A sigla, que tem três ministérios com Lula, gastou suas peças de marketing em São Paulo para exaltar o governador Tarcísio de Freitas, visto como o principal nome para enfrentar Lula na eleição do ano que vem, diante da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. As propagandas elogiam o trabalho do governo estadual e mostra o chefe do Poder Executivo paulista em obras variadas, fazendo vistorias e inaugurações e cumprimentando eleitores felizes. A aliança entre os dois — Kassab é secretário estadual de Governo — levou a uma aproximação entre o cacique do PSD e Bolsonaro, antes distantes. Em Presidente Prudente, na quarta-feira 18, o ex-presidente entregou a Kassab a medalha “3is” (“imbrochável, imorrível e incomível”), uma “honraria” criada pelo ex-presidente e reservada aos mais próximos. Kassab publicou o vídeo com a “homenagem” em suas redes sociais.
Enquanto consolida a parceria com Tarcísio, que é do Republicanos, o PSD também faz aceno a seu principal nome caso precise de uma alternativa contra Lula. Nas inserções nacionais, o governador do Paraná, Ratinho Junior, se apresenta ao eleitor de fora do estado (lembra que é filho do apresentador Ratinho e conta a história com o pai nas emissoras de rádio). No discurso, além de mostrar os avanços do estado, defende a propriedade privada e a liberdade pessoal, temas que agradam à direita, mas dá indícios de querer se manter distante da polarização. “Chegou a hora de virar uma página para um Brasil moderno e inovador. Um Brasil sem brigas ideológicas, onde avançamos unidos e em paz”, afirma.
Se o flerte com a oposição é mais indireto nos flashes televisivos do PSD, o mesmo não ocorre com o PP, onde a tônica é de chumbo grosso para cima de Lula. “Se você se decepcionou com a situação do Brasil, se perdeu a esperança e acha que tudo está caro demais e as coisas indo para o rumo errado, você não está só”, diz o presidente da sigla e senador Ciro Nogueira (PP-PI). Na sequência, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) diz que “temos que acreditar na hora da virada”. Em outra inserção, o pré-candidato a senador e secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, critica o avanço do crime e diz que os brasileiros “querem a sua liberdade de volta”. Os alvos do PP são certeiros para desgastar o governo: segundo pesquisa Datafolha deste mês, inflação e segurança são duas áreas em que o eleitor acha que Lula está indo pior do que Bolsonaro. O PP e o União Brasil, que têm votado contra Lula no Congresso, formaram a federação União Progressista, que deve impor a seus filiados o desligamento formal do governo a partir de julho, quando aprovar seu estatuto.

Outra legenda que não está em sintonia com o governo é o Republicanos, do presidente da Câmara, Hugo Motta — e também o partido de Tarcísio. O presidente da legenda, deputado Marcos Pereira (SP), um político de atuação discreta, tem disparado críticas ao governo. “Sabe o que está sobrando de verdade nos Correios? Incompetência”, disse sobre a gestão da estatal. A gastança do governo também foi alvo. “Velha receita do fracasso: gastar mais do que arrecada”, afirmou. A sigla encaminha uma federação com o MDB, outro partido importante do centro que está no governo, com três ministérios, mas está muito dividido em relação a 2026.
Embora saiba que não terá apoio nacionalmente, muito menos formalmente, da maioria dessas legendas de centro, Lula tem uma aposta: investir na divisão interna das siglas. Enquanto o PSD louvava Tarcísio e Ratinho, Lula ia a Minas Gerais acompanhado de três caciques do PSD: os ministros Carlos Fávaro e Alexandre Silveira e o senador Rodrigo Pacheco, que o petista chamou de “futuro governador”. O apoio dos três é importante porque Minas é o segundo maior colégio eleitoral do país. No terceiro maior, Rio de Janeiro, a aliança de Lula já está fechada com o prefeito Eduardo Paes, também do PSD, candidato ao governo. Na Bahia, outro estado importante, o PSD é aliado do petismo desde que foi criado e não dá sinais de que vai romper. No União Brasil, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tem três ministérios no governo, o que o habilita a ser um interlocutor na legenda.

Uma das dificuldades de Lula para levar os partidos de centro a seus palanques é o descompasso entre o discurso do petista e o que pregam essas legendas. As críticas crescentes miram a dificuldade para cortar gastos, a insistência em aumentar impostos, a ameaça da inflação e a falta de perspectiva de uma virada para recuperar a popularidade. Em 2022, quando Lula deu a improvável volta por cima, a sua campanha foi lançada somente com o apoio da esquerda e partidos nanicos, como Avante, Agir e PROS. No segundo turno, atraiu o MDB e lideranças de centro. Após a vitória, a desejada frente ampla ganhou a forma de uma babel partidária, com onze siglas no governo que não apontam para o mesmo lado. As inserções recentes na TV mostram que Lula pode estar “dormindo com o inimigo” na gigantesca e confusa acomodação partidária que montou na Esplanada.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949