Paralisia ideológica
Do seu exílio na Virgínia, o filósofo e ex-astrólogo Olavo de Carvalho promove uma dança das cadeiras no MEC
Envolvimento em escândalos, gestão ineficiente, desacordo com o presidente ou com algum colega mais bem cotado: em governos anteriores, essas eram causas típicas para a demissão de um ministro. Sob a Presidência de Jair Bolsonaro, porém, um ministro já caiu depois de ser desautorizado, nas redes sociais, por um vereador carioca: foi o que se deu quando Carlos, um dos filhos do presidente, chamou Gustavo Bebianno, então titular da Secretaria-Geral da Presidência, de mentiroso. E agora o ministro de uma pasta crucial para o desenvolvimento do país balança no cargo por pressões de um ex-astrólogo e professor de cursos on-line de filosofia que mora na Virgínia, nos Estados Unidos. Ricardo Vélez Rodríguez, da Educação, indicado para o ministério pelo proselitista conservador Olavo de Carvalho, tentou se dissociar do jugo do mestre, removendo os “olavetes” do MEC. A reação de Olavo de Carvalho e seus asseclas nas redes sociais foi rápida e devastadora: Vélez Rodríguez acabou perdendo dois de seus mais próximos colaboradores. No cômputo final, há três meses o órgão responsável pela qualidade do ensino no país encontra-se paralisado, imerso em discussões irrelevantes e, até agora, sem apresentar um único projeto para melhorar a educação.
Preocupado em destravar as ações do ministério e desgastado pelo episódio em que o MEC requisitou às escolas que filmassem alunos cantando o Hino Nacional (e ainda sugeriu a leitura de uma mensagem em que constava o slogan de campanha de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”), Vélez Rodríguez foi até o Planalto reclamar dos olavetes que proliferavam nos gabinetes da Educação, tutelando suas ações. Foi autorizado por Bolsonaro a remanejá-los ou demiti-los. Entre os alvos da medida estava o assessor Silvio Grimaldo. Vélez tentou remanejá-lo para um posto na Capes, agência de apoio à pós-gradução, mas Grimaldo preferiu se exonerar — não sem antes denunciar, nas redes sociais, a “traição” do ministro e o “expurgo” de “olavetes” que estaria em curso. Na sexta-feira 8, o próprio Olavo de Carvalho, no Facebook, fez um chamado a seus alunos: deveriam deixar o governo, que perdera o rumo. Parecia uma retirada, mas o jogo logo virou.
No sábado 9, novo post de Olavo de Carvalho atacou o principal assessor de Vélez, o coronel Ricardo Wagner Roquetti, a quem acusava de ser “o inspirador militar do movimento desolavizante no MEC”. Antes visto como aliado do núcleo olavista, Roquetti ganhara ascendência sobre o ministro, o que incomodou grupos de poder concorrentes. O exército fiel do guru levou ao Twitter a hashtag #ForaRoquetti, que chegou a ficar entre as mais populares do dia, com 60 000 menções até quinta 14 — uma enormidade quando se considera que seu alvo era um desconhecido funcionário de segundo escalão. No domingo, o site governista Terça Livre — o mesmo que, distorcendo o conteúdo de uma gravação da jornalista Constança Rezende, do jornal O Estado de S. Paulo, divulgou a notícia falsa de que ela tinha a “intenção” de conseguir o impeachment de Bolsonaro — levantou outra hashtag: #RoquettiCaiu. Era o beijo da morte. Em um governo absolutamente sensível à pressão das milícias digitais que atuam nas redes sociais, Roquetti tornara-se insustentável.
Na segunda-feira 11, a exoneração de Roquetti foi publicada no Diário Oficial, que também sagrou a saída de outros cinco funcionários, entre eles ex-alunos de Olavo de Carvalho como Grimaldo e Tiago Tondinelli, que era chefe de gabinete do ministério. Incansável nas redes sociais, Olavo de Carvalho, apesar das baixas, ainda assim encontrava motivos para comemorar: “Quem saiu exoneradíssimo foi o gostosão que os estava perseguindo e boicotando”, postou, em referência óbvia ao coronel Roquetti.
O grupo olavista, porém, cobrou caro pelas baixas que sofreu. Na terça-feira 12, ex-alunos do autor de O Imbecil Coletivo reuniram-se em segredo no MEC para organizar um motim contra o ministro. Isso mesmo. Encabeçava o grupo a assessora especial internacional Bruna Luiza Becker, considerada a principal “olheira” de Olavo de Carvalho na Educação. Com experiência na “guerra cultural” da internet — foi editora de um blog chamado “Garotas Direitas” —, ela é ex-namorada do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, um dos mais diletos alunos de Olavo de Carvalho. Os olavetes apontaram para a nova cabeça que deveria ser decepada: o número 2 do ministério, Luiz Tozi, secretário executivo de Vélez, denunciado por Olavo de Carvalho como “tucano” devido à ligação pregressa com o Centro Paula Souza, do governo de São Paulo. A pressão teve resultados imediatos: o ministro sentiu-se obrigado a ceder, e no fim da tarde Tozi caiu. Uma mensagem protocolar de Vélez no Twitter comunicou a demissão: “Dando sequência às mudanças necessárias, agradecemos a Luiz Antonio Tozi pelo empenho de suas funções no MEC”. Para o seu lugar, foi cogitado Rubens Barreto da Silva — outro nome egresso do tal ninho de tucanos, logo queimado por olavetes. Pelo Twitter, na quinta, Vélez anunciou que o cargo será de Iolene Silva, ex-diretora de um colégio batista em São José dos Campos.
Colegas de Vélez no primeiro escalão já não o tinham em grande conta antes da dança das cadeiras. Auxiliares da Casa Civil relataram uma reunião que Vélez teve com o chefe da pasta, Onyx Lorenzoni, para apresentar um projeto educacional para a Região Nordeste. A ideia era oferecer uma bolsa do Sistema S para financiar os estudos dos primogênitos de famílias carentes. Presentes à reunião afirmam que o clima era de incredulidade diante da sugestão, que guarda ecos do Antigo Testamento. Vélez também conta com a antipatia do vice Hamilton Mourão e do ministro do GSI, Augusto Heleno, que até evita cumprimentá-lo. Depois da saída tumultuada de tantos assessores, a situação de Vélez no governo torna-se ainda mais precária. Já Olavo de Carvalho, de seu gabinete em Richmond, na Virgínia, sai consagrado como uma eminência parda — o Cardeal Richelieu do Twitter. E a educação segue em segundo plano.
Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626
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