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Os papéis que Braga Netto cumpre nos bastidores da campanha de Bolsonaro

Discreto, o general desempenha missões específicas e, se eleito vice-presidente, terá uma função curiosa no governo

Por Leonardo Caldas
Atualizado em 4 jun 2024, 12h11 - Publicado em 16 set 2022, 06h00

À exceção dos filhos e da esposa, se existe uma pessoa em quem Jair Bolsonaro realmente confia é o general Braga Netto. O presidente, como se sabe, é suscetível a teorias da conspiração. Acredita até hoje que o garçom que tentou matá-lo com uma facada na campanha de 2018 era parte de um plano arquitetado pela esquerda para evitar sua eleição. Como o atentado não deu certo, as engrenagens dessa poderosa mão invisível agora estariam agindo para burlar o processo eleitoral — daí a insistência do presidente em colocar sob suspeita o aparato eletrônico de votação. Caso consiga a reeleição, Bolsonaro não tem dúvida de que incursões ainda mais pesadas podem ser postas em prática para sabotar o segundo mandato. A escolha de Braga Netto para compor sua chapa como candidato a vice-­presidente tem muito a ver com essas obsessões do ex-capitão.

Discreto, avesso a badalações, neófito na política, sem ambições de poder e, acima de tudo, disciplinado, Braga Netto reúne boa parte dos atributos que Bolsonaro considera como ideais para ter em sua retaguarda. O general esteve por mais de quatro décadas nas Forças Armadas, onde ocupou os mais relevantes postos de comando, encerrando a carreira em 2020 como chefe do Estado-Maior do Exército. Em fevereiro daquele ano, ainda na ativa, foi convidado e aceitou assumir a chefia da Casa Civil, uma das pastas mais importantes do governo. A relação entre ele e o presidente teria sido construída a partir desse instante, ao contrário de uma versão que circula em Brasília desde o início do governo. Em 2018, Bolsonaro liderava as pesquisas de intenção de voto. Na época, o Ministério Público investigava em segredo o esquema das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que envolvia, entre outros personagens, o então deputado Flávio Bolsonaro. Diz a lenda que a operação policial que traria à tona o escândalo estava programada para acontecer entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, mas acabou abortada depois que o então candidato a presidente foi informado do que estava prestes a ocorrer com o intuito de prejudicá-lo.

ASCENSÃO - O general: interventor no Rio durante o governo Michel Temer e chefe da Casa Civil na gestão Bolsonaro -
ASCENSÃO - O general: interventor no Rio durante o governo Michel Temer e chefe da Casa Civil na gestão Bolsonaro – (César Itiberê/PR; @minluizramos/Twitter)

Braga Netto ocupava, nessa mesma época, a função de interventor federal na segurança pública do Rio. A narrativa atribui ao general a responsabilidade pelo desmonte da “armação política” que estava sendo gestada — e esse seria o verdadeiro ponto de partida da relação entre ele e o presidente. O agora candidato a vice garante que essa história não passa de lenda, uma invencionice que nada tem a ver com a decisão de Bolsonaro escolhê-lo para compor a chapa — decisão, aliás, tomada à revelia da ala política do governo, que preferia a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina para o posto. Ligada ao agronegócio e ao meio empresarial, Tereza certamente seria importante para conquistar votos em nichos onde o presidente encontra resistências, como no eleitorado feminino. Já o general não tem carisma, não tem nenhum apelo eleitoral e nem agrega novos apoiadores. Mas, na lógica de Bolsonaro, o papel dele é considerado imprescindível num eventual segundo mandato. Braga Netto, diz o presidente, vai funcionar como o “seguro contra impeachment” — a garantia de que o ex-capitão, caso seja reeleito, estará protegido dos inimigos ocultos que farão de tudo para impedi-lo de governar até o fim de 2026.

No imaginário de Bolsonaro, ele não teria concluído o mandato caso o general Hamilton Mourão não fosse o seu vice-presidente. Apesar das divergências provocadas pelas posições antagônicas entre os dois, o presidente reconhece que seus adversários nunca avançaram em direção ao impeachment graças, em parte, à lealdade do próprio Mourão. Braga Netto seria a renovação desse “seguro”, com direito a bônus. O candidato a vice tem ascendência sobre os militares e já deu demonstrações de força quando estava no governo. Durante a CPI da Pandemia, os senadores tentaram convocar o general, então ministro da Casa Civil, a prestar depoimento sobre o atraso da compra de vacinas. Braga Netto fez chegar aos parlamentares a informação de que poderia ignorar a convocação. O recado foi acompanhado de uma pergunta em tom de desafio: em caso de descumprimento da intimação, alguém ousaria tentar buscá-lo dentro do Palácio do Planalto? Os senadores, na dúvida, preferiram não responder, desistiram da ideia de ouvir o general e nunca mais tocaram no assunto.

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LIÇÃO - Mourão: o atual vice-presidente serviu de barreira contra o impeachment -
LIÇÃO – Mourão: o atual vice-presidente serviu de barreira contra o impeachment – (Evandro Leal/Ag. Enquadrar/Agência O Globo)

No ano passado, em outro episódio cheio de simbolismo e tão delicado como o anterior, Braga Netto foi convidado a assumir o Ministério da Defesa no lugar do general Fernando Azevedo, que foi demitido pelo presidente após se recusar a substituir o comandante do Exército, Edson Pujol, com quem Bolsonaro acumulou episódios de irritação e constrangimento — durante uma solenidade no auge da pandemia, Pujol se negou a cumprimentar o presidente com um aperto de mãos, preferindo estender o cotovelo, seguindo o protocolo das autoridades sanitárias para evitar o contágio da Covid-19. Mas, ao fazer esse gesto, o general acabou, como se diz, deixando o presidente no vácuo. No primeiro ato à frente como ministro da Defesa, Braga Netto aceitou sem pestanejar o pedido de demissão de Pujol e de toda a cúpula militar, dando mais uma demonstração de fidelidade ao ex-capitão. É isso que Bolsonaro espera do seu vice — quase nada a mais.

COTOVELADA - Pujol: o ex-comandante do Exército constrangeu Bolsonaro -
COTOVELADA - Pujol: o ex-comandante do Exército constrangeu Bolsonaro – (Marcos Corrêa/PR)
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No início da semana, o general esteve em Belo Horizonte, sua terra natal, dando continuidade a sua até agora discretíssima campanha. No segundo maior colégio eleitoral do país, ele foi ao mercado, comprou queijo e tirou fotos com alguns poucos apoiadores. À noite, esteve com lideranças locais e diversos representantes de prefeitos à beira de um fogão a lenha. Ouviu apelos variados, que incluíam o avanço de promessas que ficaram para trás no primeiro mandato de Bolsonaro, como a aprovação das reformas tributária e administrativa. Braga Netto costuma levar aos compromissos um punhado de planilhas com dados econômicos. Usa o material para mostrar aos espectadores quanto o Brasil avançou nos últimos tempos, especialmente em relação às políticas de combate à inflação e ao desemprego. Ao mesmo tempo, alerta sobre o risco da volta da esquerda ao poder, citando os últimos acontecimentos na Argentina e no Chile. Um detalhe curioso. Na segunda-feira, logo depois de uma reunião com empresários mineiros, na qual o general advertiu mais uma vez do risco de retrocesso econômico caso o PT vença as eleições, alguém que estava na plateia pegou o microfone e convocou os presentes a doar para campanha bolsonarista. Não é a primeira vez que isso acontece, embora Braga Netto, ao menos oficialmente, nada tenha a ver com a arrecadação de recursos.

ENFRENTAMENTO - CPI da Pandemia: o então ministro ameaçou ignorar a convocação dos senadores para depor -
ENFRENTAMENTO - CPI da Pandemia: o então ministro ameaçou ignorar a convocação dos senadores para depor – (Sergio Lima/AFP)

Em busca de uma repaginada na imagem sisuda, o general também se rendeu recentemente às redes sociais. A conta dele no Twitter, por meio da qual divulga alguns compromissos de campanha, tem pouco mais de 130 000 seguidores — a de Geraldo Alckmin, o candidato a vice do ex-­presidente Lula, já acumula mais de 1 milhão. A pouca exposição nas redes faz sentido. Braga Netto não gosta de expor a vida privada. Fica irritado quando isso acontece e pede sempre aos amigos que apaguem ou não postem fotos captadas em ambientes particulares. Seus hábitos também são simples. Antes da campanha, ele se reunia todas as semanas com um grupo de oficiais num restaurante em Brasília. Fora isso, costumava passear sozinho com dois buldogues franceses — Jack e Daniels. Daniels morreu. Sem nenhuma cerimônia, também frequentava a padaria da quadra e, católico, sempre que podia participava da missa dominical numa paróquia próxima ao seu apartamento. Tem faltado tempo ao candidato a vice para passeios em sua Harley-Davidson, partidas de vôlei no clube e treino de judô — ele é faixa preta. Na quarta-feira 14, o general, que tem 65 anos, confidenciou a um assessor que estava exausto. Por recomendação do presidente, as viagens do vice são realizadas em voos comerciais. Afinal, jatos particulares, além de muito caros, são perigosos. Bolsonaro nunca se convenceu de que foi obra do acaso o acidente aéreo que matou o ex-governador Eduardo Campos na campanha presidencial de 2014.

Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807

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