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Os detalhes exclusivos da ação de Paes que pede afastamento de Bretas

Ex-todo-poderoso da Lava-Jato fluminense teria tido 'conduta incompatível com a imparcialidade', segundo o prefeito. VEJA teve acesso exclusivo ao documento

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 11h56 - Publicado em 30 set 2022, 06h00

Corrupto confesso, Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio de Janeiro, foi condenado pelos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção passiva e associação criminosa. Entre 2011 e 2014, na primeira gestão de Eduardo Paes (PSD) à frente da prefeitura, ele geriu grandiosos contratos relacionados à infraestrutura da Olimpíada de 2016 e, como mais tarde viria à tona, lançou mão do manjado expediente de cobrar propina das empreiteiras, na forma de um porcentual do valor total dos investimentos. Pelos delitos, colecionou quatro condenações que, juntas, somam 76 anos de prisão. Todas foram proferidas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal, responsável pelo braço fluminense da Operação Lava-Jato.

Em maio deste ano, Pinto foi posto em liberdade pelo magistrado graças a um acordo de delação premiada, da qual alguns trechos vazaram, apesar do sigilo, e envolvem, sem provas, o prefeito Eduardo Paes, que prontamente reagiu, acionando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo é afastar Bretas, a quem Paes acusa de agir há tempos de forma parcial contra ele nesse mesmo caso, prejudicando, inclusive, sua trajetória política. Em seu depoimento, homologado pelo Superior Tribunal de Justiça, Pinto diz que o ex-chefe teria pedido 8 milhões de reais em propina na celebração de contratos relativos à construção de escolas e ao serviço de dragagem do Rio Acari. Baseados apenas no relato do outrora secretário, 68 procedimentos foram abertos, já encaminhados para investigação, a maioria deles pela Polícia Federal.

A defesa de Paes solicitou acesso ao material, mas Bretas negou, alegando o sigilo do caso. Foi justamente tal queda de braço que levou o prefeito a ingressar com uma ação no CNJ pedindo a instauração de um processo disciplinar contra o juiz, seguido de seu afastamento. Ele deveria deixar o posto, segundo enfatizam os advogados do alcaide no documento ao qual VEJA teve acesso, “por conduta incompatível com a imparcialidade que precisa nortear a atuação dos magistrados”.

NA BRIGA - Paes se diz prejudicado pelo juiz: ele “não tem parcialidade para arbitrar” -
NA BRIGA – Paes se diz prejudicado pelo juiz: ele “não tem parcialidade para arbitrar” – (Leo Martins/Agência O Globo)

A defesa de Paes se debruçou sobre as audiências do julgamento de Pinto lá atrás, em 2018, quando acusado e juiz estiveram frente a frente. No processo movido agora contra Bretas, trechos desses diálogos foram pinçados para reforçar o argumento de que o ex-secretário teria sido induzido a enredar Paes, como na parte em que ele se refere ao esquema de superfaturamento das obras na construção do ramal oeste do BRT, o serviço de ônibus expresso do Rio, que integrava o plano olímpico. Pinto afirmou, na ocasião, que o acerto de pagamento de 1,75% do contrato teria sido selado no gabinete do próprio prefeito, direto com Leandro Azevedo, o então executivo da Odebrecht responsável pelo empreendimento. O ponto em que a defesa de Paes se concentra também intrigou a procuradoria, que arguiu Pinto na audiência: afinal, o secretário testemunhou tal acordo espúrio? “Não, eu não estava presente”, respondeu Pinto. “Foi então um relato que o senhor Leandro Azevedo fez ao senhor?”, indagou o procurador. “Perfeito”, encerrou o ex-secretário. Ou seja: uma acusação feita na base do “ouviu dizer”, contrariando depoimentos anteriores em que o nome de Paes não era citado.

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Para piorar, a audiência se desenrolou em 4 de outubro de 2018, exatos três dias antes do primeiro turno das últimas eleições para o governo do Rio, páreo que Paes liderava até aquele momento. A peça apresentada ao CNJ afirma que Bretas agiu para favorecer Wilson Witzel — à época o ex-juiz federal era um ilustre desconhecido e acabou com a cadeira maior no Palácio Guanabara. Bretas e Witzel são amigos e não escondem o laço que os une. Finalizada a contagem dos votos, juiz e governador postaram em suas redes sociais uma mesma foto em que aparecem de mãos dadas, a bordo de um jatinho em que viajaram para acompanhar a posse de Jair Bolsonaro, em Brasília. O resto é história. Witzel, como se sabe, sofreu impeachment, acusado de capitanear um esquema que dragou vultosos recursos públicos dos cofres da saúde, e Bretas seguiu trajando a toga.

O movimento de Paes não é o primeiro que lança uma interrogação sobre a idoneidade de Bretas na Justiça. Conforme revelado por VEJA, Nythalmar Dias Ferreira, um advogado que representava diversos réus da Lava-Jato, contou em delação que o juiz negociava penas, orientava advogados e combinava o jogo com o Ministério Público. Ele chegou a gravar conversas com o magistrado, cujo conteúdo veio à luz em junho de 2021. Esse relato desencadeou pelo menos quinze solicitações de suspeição por parte de réus da Lava-Jato contra Bretas, o que levou a seu afastamento de todos os casos em que Nythalmar atuou. Se a denúncia de Paes for acatada pelo CNJ, este o próximo passo, o órgão dirá se o juiz poderá seguir batendo o martelo. Como o processo corre em sigilo, a defesa do prefeito preferiu não se pronunciar. Procurado pela reportagem, Bretas também manteve o silêncio.

Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809

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