Operação contra Hugo Motta reacende suspeitas de uso político da PF
O caso envolvendo o novo candidato à presidência da Câmara se soma a outras coincidências registradas no terceiro mandato de Lula
Na quinta-feira da semana passada, a Polícia Federal cumpriu ordens de busca e apreensão em alguns endereços em Patos, cidade com cerca de 100 000 habitantes, no sertão da Paraíba. Os agentes vasculharam residências e escritórios e apreenderam computadores, celulares e cheques de empreiteiros locais com o objetivo de apurar um esquema de desvio de verba federal repassada à prefeitura. Até onde se sabe, há fortes indícios de que algo estranho aconteceu no município, diante da suspeita de que empresas foram favorecidas em licitações de cartas marcadas, além de superfaturamento de preços — uma ação aparentemente corriqueira, mas que repercutiu em Brasília por duas razões: a obra investigada foi abastecida com recursos enviados pelo deputado federal Hugo Motta, que é filho do prefeito de Patos. Ainda que as autoridades tenham ressaltado que nenhum dos dois é formalmente investigado, a incursão impulsionou uma especulação recorrente em alguns importantes gabinetes da capital: a coincidência entre certos fatos políticos e as operações da PF.
A investigação sobre os supostos desvios em Patos foi iniciada em 2022. Oito dias antes das buscas, Hugo Motta (Republicanos) havia sido apresentado como candidato à presidência da Câmara dos Deputados. A associação entre uma coisa e outra foi inevitável. Em nota, o parlamentar se limitou a informar que não era investigado e nem suspeito. Motta pertence ao Centrão, foi da base do então presidente Jair Bolsonaro, é um fiel escudeiro do atual presidente da Câmara, Arthur Lira, e, por tudo isso, está longe de compartilhar da confiança e da simpatia do governo. A ação da PF foi interpretada pelos aliados do parlamentar como uma tentativa de minar a candidatura dele logo na largada. Por suas atribuições, é natural — e esperado — que a Polícia Federal incomode políticos, empresários e agentes públicos envolvidos em malfeitorias. No caso deste terceiro mandato de Lula, no entanto, o que vem gerando controvérsia e chamando atenção é o timing das operações. O caso envolvendo Hugo Motta se soma a outras coincidências registradas nesse período.
O próprio presidente da Câmara já reclamou formalmente de perseguição política. Conflituosa no início do governo, a relação entre ele e o Planalto atingiu o auge da tensão no fim de maio do ano passado. Deputados pressionavam por mais ministérios e cobravam a liberação de cargos e emendas prometidos, mas represados. Numa demonstração de força, o plenário ameaçou retaliar o governo. Dias depois, uma operação da Polícia Federal em Alagoas prendeu empresários e apreendeu dinheiro e documentos no curso de uma investigação que havia começado em 2022. Um dos alvos foi um assessor que atuava como braço direito de Arthur Lira. Enfurecido, o parlamentar cobrou explicações do então ministro da Justiça, Flávio Dino, e do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues — ambos, claro, negaram qualquer direcionamento. Os parlamentares costumam citar mais duas “coincidências” para as desconfianças: as operações que miraram o general Braga Netto e o deputado Alexandre Ramagem. Os dois foram alvos de mandados de busca ao anunciarem a intenção de concorrer à prefeitura do Rio de Janeiro.
As suspeitas de que operações são orientadas por uma bússola política também existem entre ministros do próprio governo. Juscelino Filho, das Comunicações, já confidenciou a aliados que a disputa por espaço no Maranhão esteve por trás do seu indiciamento por corrupção, fraude em licitação e organização criminosa. Isso porque a ação contra ele foi desencadeada quando Flávio Dino ainda estava à frente do Ministério da Justiça, órgão ao qual a PF é subordinada. Dino e Juscelino são notórios adversários no estado. O chefe da Casa Civil, Rui Costa, é outro que já se irritou com a PF. Ele viu as digitais do próprio chefe da corporação no avanço da investigação sobre a compra de respiradores durante a pandemia de covid-19 — os equipamentos foram pagos mas nunca entregues. Além dele, o ministro da Defesa, José Múcio, já chegou a relatar a Andrei Rodrigues o incômodo generalizado com a “coincidência” de algumas operações contra militares ocorrerem exatamente nos dias em que eram programados eventos festivos das Forças Armadas.
O atual diretor-geral da PF é um homem de confiança do presidente Lula — ele chefiou a segurança da campanha do petista em 2022. Há mais de vinte anos na polícia, Rodrigues já tinha comandado a segurança de Dilma Rousseff na campanha de 2010 e, em 2013, foi indicado pela então ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, como chefe da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, responsável pelo aparato de segurança da Copa do Mundo em 2014 e da Olimpíada em 2016. Dentro da PF, as críticas às operações são conhecidas e até esperadas, dada a delicadeza de determinados inquéritos e a importância e influência de certos personagens. “Todas as nossas investigações são calcadas na autonomia da equipe, na qualidade da prova e na responsabilidade. Não há, e as datas e os fatos comprovam isso, nenhuma ação da Polícia Federal que tenha viés ou relação com qualquer fato político”, disse a VEJA o diretor-geral. Sobram apenas coincidências.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911