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O “meme do caixão” em Gramado e a tentativa gaúcha de voltar à vida normal

Isolamento precoce, com fechamento de shoppings antes de São Paulo, deu ao estado uma das menores taxas de mortalidades do país

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 Maio 2020, 15h07 - Publicado em 12 Maio 2020, 14h48

Desde sábado, um vídeo de uma comemoração em um restaurante de Gramado, cidade turística da serra gaúcha, vem dando o que falar nas redes sociais. Um cliente empolgado com o almoço fora de casa, possivelmente o primeiro desde o início da quarentena, pediu que os garçons servissem as bebidas de sua mesa ao som de uma música e de uma coreografia específicas: a do “meme do caixão”, como ficou conhecido o vídeo que retrata as cerimônias fúnebres tradicionais em Gana.

Gravado no dia 8, data em que o Brasil ultrapassou a marca de 10 mil mortes por Covid-19, a piada de mau gosto gerou críticas ferozes e até a exclusão do estabelecimento de um guia gastronômico nacional. Clientes sem noção à parte, o fato é que, enquanto outros estados e cidades do país decretam lockdown, apertando ainda mais as restrições de circulação de pessoas, na tentativa de frear a pandemia do novo coronavírus, o Rio Grande do Sul começou a flexibilizar sua quarentena nesta semana com o decreto publicado justamente no sábado 8. “O distanciamento controlado, como é chamada a nova etapa da quarentena em que entramos, só pôde ser adotado porque conseguimos achatar a curva de infecção”, afirma Arita Hübner Bergmann, secretária estadual de Saúde.

Por achatar a curva, entenda-se: o número de infectados continua crescendo no estado, mas em uma velocidade média controlada, sem progressão exponencial, e sem que o sistema de saúde do estado tenha entrado em colapso. Nesta terça-feira, 12, a ocupação de leitos de UTI está em 69,7% — o nível máximo tolerado é de 80%. A combinação desses dois fatores — velocidade de propagação do vírus e disponibilidade da rede hospitalar — é a bússola que vem guiando o governo do Rio Grande do Sul para apertar ou afrouxar as regras de quarentena. “Se a velocidade de infecção acelerar e a ocupação de leitos de UTI ultrapassar 80%, teremos de apertar novamente as restrições de distanciamento”, afirma Eduardo Sprinz, chefe do serviço de infectologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Enquanto segurava o número de novos infectados, o estado conseguiu adicionar quase 400 leitos de UTI (e espera equipamentos para outros 235).

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O Rio Grande do Sul é um dos estados brasileiros com a menor taxa de mortalidade provocada por Covid-19. Até agora, 100 pessoas morreram, o que dá um índice de menos de um óbito (0,9) a cada 100 mil habitantes. O bom desempenho alcançado até agora no combate à epidemia é resultado do “tratamento de choque” precoce que o governador Eduardo Leite (PSDB) e a maior parte dos municípios gaúchos deram à pandemia. Em 19 março, apesar de estar longe dos grandes centros de conexões de voos internacionais, e ainda ter poucos casos confirmados, o Rio Grande Sul determinou o fechamento dos shoppings centers, quatro dias antes de São Paulo, por exemplo. As aulas nas escolas gaúchas começaram a ser suspensas em 18 de março e dia 23 já estavam todas paradas. Em São Paulo, o fechamento ocorreu em 23 de março.

Em janeiro, o governo gaúcho já havia criado o comitê de contingência do novo coronavírus. “Na época, nossa leitura foi que os viajantes trariam o vírus para cá, e a primeira providência foi acionar os municípios e mapear onde havia leito de UTI e onde não havia”, diz Arita. Segundo a secretária, a conexão praticamente diária com os secretários municipais e a definição de planos e regras com eles foi fundamental para que o número de mortos fosse menor. “A chave para o resultado do isolamento está no momento em que ele começa. Se as pessoas se recolhem quando o vírus circulou pouco, conseguimos controlar a curva de infecção. Mas, se o vírus já circulou muito, a eficiência da quarentena é bem menor”, afirma Sprinz.

A importância dada ao comitê científico, formado também em janeiro, foi fundamental para o sucesso no controle da pandemia. A decisão de restringir a circulação de pessoas em um momento em que o estado ainda tinha poucos casos da doença foi bancada por esse comitê e acatada pelo governador Eduardo Leite (PSDB). Até agora a equipe de médicos e cientistas acertou bem mais do que errou. No início de março, o comitê científico apresentou vários cenários sobre a evolução do novo coronavírus em solo gaúcho. Um deles mostrava que o Rio Grande do Sul teria 61 mortos por Covid-19 até 30 de abril, caso a quarentena fosse mantida e ficasse em torno de 50% de adesão da população. Em outro cenário, o estado chegaria à mesma data com 300 óbitos, caso a quarentena não fosse adotada. Na vida real, a Covid-19 tinha feito 60 vítimas fatais em 30 de abril.

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A flexibilização da quarentena, iniciada esta semana, só foi possível depois que uma série de regras foi estabelecida pelo governo. O estado foi dividido em 20 regiões e cada uma ganhou uma cor de bandeira (amarela, laranja, vermelha e preta, de acordo com a velocidade de propagação do vírus e a disponibilidade de rede hospitalar). Cada estabelecimento tem um tipo de protocolo para funcionar de acordo com a cor de bandeira da região.

Os restaurantes do tipo bufê não podem funcionar em nenhum local do estado, e provavelmente só poderão abrir as portas ao público após o fim da pandemia. Já os restaurantes a la carte podem abrir, a menos que estejam em região de bandeira vermelha ou preta. Para funcionar na cidade de Gramado, classificada com bandeira laranja, um restaurante a la carte só pode operar com metade dos funcionários por turno, entre outras medidas de prevenção. Cada atividade tem seu protocolo de funcionamento a depender da região. A construção civil, por exemplo, voltou a funcionar há duas semanas, enquanto as indústrias, retornaram há uma.

As escolas ainda não têm data para reabrir. As aulas só serão retomadas depois que forem definidos protocolos seguros para o funcionamento das escolas. As lojas grandes e shopping centers ainda permanecerão fechadas em diversas regiões do estado, incluindo Porto Alegre. Na capital, só lojas menores podem abrir e também com regras que estabelecem o número máximo de funcionários por turno. As regras de higiene são obrigatórias a todos os estabelecimentos e a distância mínima entre as pessoas também valem para todo o estado: um metro, se ambos estiverem de máscara ou dois metros se uma das pessoas estiver sem máscara.

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Os resultados da política serão medidos a cada semana, sempre aos sábados. A expectativa é que o número de casos cresça nas próximas semanas por causa do relaxamento. O plano, porém, é manter a propagação do vírus sob controle. “Passamos pela primeira etapa, que era achatar a curva de infecção para termos tempo de fortalecer a rede de saúde. Agora vamos para a nova fase, sabendo que é possível ter de apertar de novo. Nada é exato nessa pandemia”, afirma Sprinz.

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