O historiador americano que tenta reescrever a história de Lula
Biografia enaltece o ex-presidente e omite escândalos de corrupção que beneficiaram o candidato do PT à Presidência

O historiador americano John French, conforme reportagem de VEJA desta semana, escreveu uma biografia do ex-presidente Lula, que concorre a um novo mandato pelo PT. O livro “Lula e a Política da Astúcia” foi lançado recentemente nos Estados Unidos e no Brasil. A tradução foi paga pelo próprio autor e a promoção do livro está a cargo da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. O trabalho é um exemplo de como não fazer História.
O autor considera Lula como o “Pelé” da política brasileira, descreve em detalhes a vida do ex-presidente e constrói o perfil do migrante que fugiu da fome e da seca, fez carreira no sindicalismo, promoveu greves durante a ditadura, criou um partido político e chegou ao topo ao se eleger presidente da República. O trabalho, porém, substitui fatos por versões.
Lula foi condenado por corrupção e lavagem no escândalo de corrupção na Petrobras e ficou 580 dias preso. O processo da Lava-Jato foi anulado em 2021, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que Curitiba não era o foro adequado para julgar o ex-presidente. O petista não foi inocentado. Ao contrário. Ficou demonstrado que o dinheiro desviado por empreiteiras bancaram a compra do famoso triplex do Guarujá e reformas no sítio que ele passou a frequentar após deixar o governo. Além disso, Lula embolsou 27 milhões de reais em palestras pagas pelas mesmas empreiteiras envolvidas no escândalo.
French descreve a Lava-Jato como uma “operação massiva para fomentar a crença de que a corrupção na Petrobras havia se estendido até o ex-presidente”. Lula, diz o historiador, foi transformado em chefe de uma quadrilha, numa orquestração para evitar que ele voltasse ao poder. Para o americano, nada foi descoberto que incriminasse o ex-presidente. “Promotores e juízes tinham que trabalhar com o que eles tinham: um modesto apartamento no litoral de São Paulo, do qual ele nunca havia sido dono e uma fazenda cujos dons eram velhos amigos”, diz trecho da obra.
O trabalho do historiador é absolutamente parcial quando se trata da marca mais deletéria dos governos petistas: a corrupção. O mensalão, por exemplo. Em 2005, descobriu-se que a cúpula do PT estava no comando de um engenhoso esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos. Amigos e auxiliares do então presidente Lula foram condenados e presos por usar recursos roubados para subornar parlamentares e garantir que assuntos de interesse do governo fossem aprovados no Congresso. Um dos envolvidos no escândalo confessou à polícia que Lula sabia das irregularidades.
No livro, a palavra mensalão aparece apenas três vezes, duas delas para lembrar que Dilma Rousseff emergiu a partir da queda de José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil e homem de confiança de Lula que comandava o esquema, e outra para lembrar que o caso gerou um “processo sem precedentes de perseguição e prisão de alguns dos principais colaboradores de Lula”.
O americano tira outras conclusões bastante questionáveis sobre períodos recentes da história. Ele caracteriza o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 como um “golpe” do Legislativo brasileiro, a mesma versão difundida por Lula e por Dilma. “A articulação pelo impeachment refletiu o desejo de voltar ao passado por meio de um golpe parlamentar que não se enquadrava em normas constitucionais”, diz o livro. O impeachment de Dilma, como se sabe, foi conduzido pelo Congresso Nacional, em sessão presidida no Senado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, indicado por Lula.
O livro de John French vem sendo distribuído de graça pela Fundação Perseu Abramo, que editou a obra em conjunto com a editora Expressão Popular. O escritor diz que abriu mão de seus direitos autorais e que os editores abriram mão dos direitos editoriais. French é professor da Duke University, nos Estados Unidos. Só na tradução, diz que gastou 10 mil dólares (52 mil reais). Nas duas últimas semanas, ele participou pessoalmente do lançamento de “Lula e a Política da Astúcia“em diversas capitais.
Astúcia, vale lembrar, também pode ser considerada como uma habilidade para enganar.