Número de pessoas com aval para restringir documentos pode triplicar
Decreto assinado pelo presidente em exercício Hamilton Mourão amplia o poder de tornar documentos ultrassecretos até para funcionários comissionados
O novo decreto do governo que flexibilizou a Lei de Acesso à Informação (LAI) pode triplicar o número de pessoas no governo federal com poder de tornar documentos secretos ou ultrassecretos.
Antes da medida, classificar um documento como ultrassecreto e deixá-lo fora do domínio público por 25 anos era uma prerrogativa exclusiva da alta cúpula governamental, grupo que, até ontem, era composto por 251 pessoas: presidente e vice-presidente da República, os 22 ministros, os três comandantes de Forças Armadas e os 224 chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes do Brasil no exterior.
O novo texto, assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, aumentará consideravelmente o número de servidores que podem tarjar informações como ultrassecretos. Ganham esse poder chefes das 135 empresas estatais (como os Correios) e sociedades de economia mista (como Banco do Brasil e Petrobras) e até alguns níveis de funcionários comissionados, que são nomeados pelo governo sem necessidade de concurso.
Este segundo contingente pode variar de acordo com as nomeações e exonerações do governo federal. Os dados mais recentes disponibilizados pelo governo, de dezembro de 2018, indicam que havia na estrutura federal 206 ocupantes de cargos em comissão e assessoramento no nível DAS 101.6 ou superior, que têm remuneração de 16.900 reais, além de 125 cargos de natureza especial, o que inclui chefes de autarquias e fundações federais. Se estes números se mantiverem, são 717 nomes com o poder de classificar os documentos no mais alto nível de sigilo. Ou seja, o triplo do total de antes.
“Secreto”
Os documentos também podem ser classificados como “secretos”, categoria que os mantêm fora do domínio público por 15 anos. Todos os habilitados a enquadrar algum texto como “ultrassecreto” (25 anos) têm esse poder. Além deles, o número de cargos para os quais esse nível de sigilo é o limite também cresceu. Era de 511 (cúpula do governo, chefes de titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) e pode chegar a 1.799 pessoas, um crescimento de 252%, com a abrangência de comissionados da categoria DAS nível 101.5 (salário de 13.600 reais) ou superior.
Na prática, a mudança coloca em risco a eficácia da Lei de Acesso à Informação, que garante a transparência de todas as informações em poder do Estado.
O consultor-sênior da Transparência Internacional, Fabiano Angélico, explica que a classificação da informação é o “coração da lei” porque é o que separa o que deve ser público e o que deve ser sigiloso. Pelas regras da LAI, toda informação deve estar disponível aos cidadãos e qualquer restrição deve ser tratada como medida excepcional.
“A classificação é algo muito estratégico e crucial na implementação da lei. Colocar essa atribuição a funcionários de escalão inferior é muito ruim porque dá um poder desmedido a funcionários menos graduados, que, muitas vezes, não têm o preparo ou equipe técnica para esta avaliação, e não precisam prestar contas publicamente por uma decisão mais controversa”, explica.
A iniciativa surpreendeu Fabiano Angélico. “O governo fala em transparência e moralização desde a campanha eleitoral. Seria bom reconhecer que se equivocou e ampliar o debate.” O consultor também chama atenção para o fato de o decreto não ter assinatura do ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário. Além de dizer respeito às atividades da pasta, a CGU conta com funcionários com conhecimento técnico sobre o tema.
Por meio de nota, a CGU afirmou que a delegação da competência para classificação de informações em graus secreto e ultrassecreto já estava previsto na LAI e o novo decreto regulamenta esta possibilidade. “Quanto às alegações de que alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos na aplicação da LAI, ressaltamos que tal assertiva não procede, visto que as mudanças ora propostas tem por intuito simplificar e desburocratizar a atuação do Estado”, diz o órgão.