Nikolas Ferreira é aposta do PL para se consolidar entre conservadores
Mirando o eleitorado jovem, o partido joga suas fichas na postura polemista do deputado federal mais votado em 2022
No Dia Internacional da Mulher, o deputado Nikolas Ferreira subiu à tribuna usando uma peruca, se apresentou como “deputada Nikole” e fez um discurso considerado transfóbico. A lei caracteriza como crime e prevê até cadeia para quem pratica, induz ou incita qualquer tipo de discriminação. O parlamentar explicou que, ao decidir fazer a performance — ridícula, para dizer o mínimo —, seu objetivo era apenas o de criticar os movimentos feministas e o teor de algumas propostas de inclusão social de pessoas trans. A reação foi imediata. O PSOL ingressou com uma representação no Conselho de Ética pedindo a cassação do deputado. O presidente da Câmara, Arthur Lira, repreendeu publicamente o colega: “O plenário não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos”, disse. Os movimentos que defendem os direitos das minorias foram ao Supremo Tribunal Federal contra o congressista. Já o PL, o partido de Nikolas, viu no histrionismo — principalmente na repercussão que ele teve — uma excelente oportunidade.
Celebridade digital e filho de um pastor evangélico, Nikolas é, ao lado de Michelle Bolsonaro, uma das principais armas da legenda para consolidar o PL como o maior partido conservador do país. A ex-primeira-dama já atua como referência feminina. O deputado, que tem 26 anos, exercerá o mesmo papel, só que mirando o eleitorado mais jovem. A sigla, inclusive, já está rascunhando uma agenda que prevê um giro de suas novas estrelas pelas capitais onde o PL pretende lançar candidatos em 2024, com foco nas regiões Sul e Sudeste, onde o bolsonarismo reúne grande contingente de simpatizantes. A ideia é que ambos, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que retornou ao Brasil na última quinta-feira, participem de grandes atos políticos. Os liberais estimam que, com isso, podem triplicar o número de prefeituras e conseguir eleger pelo menos dois vereadores em cada um dos mais de 5 000 municípios do país. No desembarque do capitão, aliás, Nikolas ocupava um lugar de destaque.
O parlamentar é dono de algumas marcas que impressionam. No ano passado, ele recebeu 1,4 milhão de votos, cifra que lhe valeu o status de deputado mais votado do país e o terceiro lugar no ranking dos mais votados da história. Com colocações mais espertas do que outros ícones do radicalismo, como as deputadas Bia Kicis e Carla Zambelli, seus perfis na internet já registram mais de 10 milhões de seguidores e se tornaram um cobiçado instrumento eleitoral. “Em cada capital, quero pegar pelo menos dois jovens combativos e apresentá-los como os meus candidatos”, disse ele, lembrando que exigirá dos escolhidos apenas o compromisso com a pauta contra o aborto, a ideologia de gênero ou qualquer coisa defendida pela esquerda. Fã de Jair Bolsonaro — “uma pessoa que sacrificou a própria vida pelo Brasil” —, Nikolas segue seu ídolo na estratégia de criar polêmicas. No auge da pandemia, comparou a exigência da carteira de vacina ao nazismo. Como vereador, foi processado por uma deputada trans porque insistia em se referir a ela como “ele”.
O PT chegou a discutir seu endosso à abertura de um processo contra o deputado no caso da peruca, mas recuou depois de avaliar que o movimento embutia o risco de vitimizar e dar ainda mais visibilidade ao parlamentar. Por outros caminhos, foi exatamente o que aconteceu na terça-feira 28, durante uma audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), convocada para ouvir o ministro da Justiça, Flávio Dino, sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. A sessão terminou em baixaria. Só que, dessa vez, Nikolas estava do lado oposto. Em uma de suas intervenções, ele criticou a postura do ministro. Alguns parlamentares passaram então a provocá-lo com insultos de viés homofóbico. Um deles, identificado depois, era André Janones (Avante-MG), ex-coordenador das milícias digitais do PT na campanha presidencial do ano passado. Resultado do injustificável ataque: Nikolas ganhou mais 560 000 seguidores em suas redes. O silêncio, muitas vezes, é a melhor resposta — inclusive, no combate aos radicais.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835