Nunca pedi que a PF me blindasse ou a minha família, diz Bolsonaro
Em pronunciamento longo e confuso, presidente acusa Moro de ter tentado barganhar demissão de diretor-geral da PF por cargo no STF; ex-ministro nega
O presidente Jair Bolsonaro disse no final da tarde desta sexta-feira, 24, em pronunciamento confuso e longo – durou mais de 45 minutos -, que nunca tentou intervir na Polícia Federal, como disse o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ao anunciar sua demissão do cargo em razão de desentendimentos em torno da manutenção do delegado Mauricio Valeixo do comando da corporação. “Não são verdadeiras as insinuações de que eu queria obter informações sobre investigações em andamento”, afirmou. “Nunca pedi que a PF me blindasse de qualquer forma”, afirmou.
Além de dizer que o ex-ministro mentiu, ele alegou que é prerrogativa do presidente da República a indicação do diretor-geral da PF. “Oras bolas, se eu posso trocar o ministro, porque não posso trocar o diretor da Polícia Federal? Não tenho que pedir a ninguém para trocar alguém que esteja na pirâmide do Poder Executivo”. E completou, mais à frente: “O dia em que eu tiver que me submeter a qualquer subordinado meu, eu deixo a Presidência da República”.
Segundo ele, Valeixo estava “cansado e começamos a procurar substitutos para seu cargo”. “Ontem, eu e Sergio Moro conversamos, só eu e ele. Eu sempre abri o coração para ele, duvido que ele tenha aberto seu coração para mim. A confiança tem dupla mão, digo isso aos meus ministros”, afirmou. “Disse a ele: ‘Moro, não tenho informação da Polícia Federal, tenho que ter isso com 24 horas de antecedência para decidir os futuros da nação”.
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Clique e AssineDe acordo com ele, Moro chegou a sugerir uma espécie de barganha. “Sergio Moro disse que poderia trocar Valeixo em novembro, quando ele fosse indicado ao Supremo Tribunal Federal (após a aposentadoria do ministro Celso de Mello). Não é por aí. É desmoralizante para um presidente ouvir isso e ainda externar”, disse.
Em tuíte publicado logo após o pronunciamento, Moro negou que tivesse proposto o acordo (veja abaixo).
Em outra publicação na rede social, o ex-ministro também ironizou a declaração de Bolsonaro sobre Valeixo estar “cansado” e disse que o ex-diretor da PF “estava cansado de ser assediado desde agosto do ano passado pelo presidente para ser substituído”. Ele voltou a negar que seu braço-direito tenha pedido demissão e reafirmou que o decreto publicado no Diário Oficial com a exoneração dele não passou por sua aprovação nem lhe foi informado.
Jair Bolsonaro afirmou em seu discurso que no início do governo deu um “voto de confiança” a Moro ao permitir que ele indicasse todos os cargos, inclusive o de diretor-geral da PF, mas que se decepcionou. “Todos os cargos de confiança são de Curitiba. Me surpreendeu: será que todos os melhores quadros da PF estavam em Curitiba? Mas dei um voto de confiança”, disse.
Antes, ele havia afirmado que esperava problemas na saída do ministro. “Hoje de manhã eu disse (a sua equipe): ‘vocês conhecerão aquela pessoa que tem compromisso próprio com seu ego e não com o Brasil’. O que eu tenho ao meu lado e sempre tive foi o povo brasileiro. Eu falei: ‘hoje essa pessoa vai buscar uma maneira de botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro. isso aconteceu há poucas horas”, disse.
Sobre Moro, disse ainda que ele era um “ministro desarmamentista” e colocou dificuldades na tramitação de decretos que flexibilizavam o porte de arma. “Aquilo que eu defendi na campanha, os ministros têm a obrigação de estar comigo, senão estão no governo errado. Não posso conviver ou fica muito difícil conviver com uma pessoa que pensa muito diferente de você. Torci muito para dar certo, mas infelizmente ou felizmente, não deu”.
Ele relembrou sua trajetória com o ex-juiz e lembrou até um episódio que disse tê-lo magoado, quando Moro o teria esnobado em público. “Conheci o Sergio Moro em 31 de março, no aeroporto de Brasília, e o admirava. Fui cumprimentá-lo e ele me ignorou. Era um deputado um humilde deputado, fiquei triste, não vou dizer que chorei porque não seria verdade, mas fiquei muito triste”, relembra. “E estou lutando contra o sistema, contra o establishment, coisas que aconteciam não acontecem mais por causa da minha opção de indicar os melhores ministros do Brasil”. “Como o senhor disse em sua coletiva hoje que tinha uma biografia a zelar, eu digo que tenho um Brasil a zelar. Jurei em 1973 na escola de cadetes dar a minha vida à minha pátria”, afirmou.
Marielle Franco
Bolsonaro também lembrou a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e comparou com o inquérito que investigou a facada que levou de Adélio Bispo durante a campanha eleitoral, em Juiz de Fora (MG). “A PF de Sergio Moro se preocupou mais com Marielle do que com o presidente da República. Entre o meu caso e o da Marielle, está muito menos difícil de apurar. Cobrei bastante dele isso, mas nunca interferi”, afirmou.
Além de comparar o comportamento da PF ao investigar o seu caso e o de Marielle, também relembrou o episódio no qual um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, no Rio, onde mora, o envolveu no caso do assassinato da vereadora, ao dizer que o ex-sargento da PM Élcio Queiroz, preso pelo assassinato, havia pedido para ir até a casa do “Seu Jair” no dia do crime – na verdade, ele foi até a casa de outro suspeito, Ronnie Lessa, e o porteiro corrigiu a informação posteriormente. Comentou também a tentativa de associar seu filho Renan, o Zero Quatro, ao caso, quando a polícia afirmou que ele teria namorado a filha de Lessa.
Também falou sobre Fabricio Queiroz, o ex-assessor de seu filho Flávio quando este era deputado estadual no Rio e que é investigado sob a acusação de organizar um esquema de rachadinha no gabinete. “Eu conheço o Queiroz desde 1984. Foi para a Polícia Militar, depois fizemos amizade, veio trabalhar comigo e com meu filho. O que ele faz, responda por seus atos. Não foi uma vez, mas várias vezes que ele me pagou com cheques que não caíram na minha conta porque os deixei no Rio de janeiro (sobre cheques depositados pelo ex-assessor na conta da primeira-dama Michelle). E não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil”.
Durante o pronunciamento, ele mudava a toda hora de assunto, inclusive para falar de temas não relacionados à queda de Moro, como reclamar de reportagens na imprensa. Também citou outros temas aleatórios, como o fato de a polícia reprimir pessoas que não estão respeitando a quarentena no país ou a intervenção que fez no Inmetro em razão de uma polêmica envolvendo tacógrafos.
Acusações
Moro, ao pedir demissão do cargo nesta sexta-feira, 24, que avisou Bolsonaro que a interferência no comando da Polícia Federal seria política e que o problema não é “alguém que entra, mas quem entra”. Ele lembrou também que o presidente lhe deu carta branca quando ele decidiu deixar de ser juiz da Operação Lava-Jato, – foi magistrado por 22 anos – para assumir o posto. “Quando fui convidado para ser ministro, em 1º de novembro, tivemos uma conversa sobre combate à corrupção e ao crime organizado. Foi dada carta branca para nomear pessoas para todos esses órgãos, incluindo a Polícia Federal”, disse.
O ex-juiza da Lava-Jato decidiu deixar o governo depois que o presidente demitiu, em publicação no Diário Oficial da União na madrugada desta sexta-feira, a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, delegado Maurício Valeixo, que era homem de sua confiança. Moro já tinha sido informado da intenção do presidente de demitir o seu braço-direito – eles são próximos desde os tempos da Lava-Jato quando o ex-ministro era juiz federal em Curitiba e Valeixo era superintendente-geral da PF no Paraná – na quinta-feira 23 durante a reunião semanal que Bolsonaro tinha com o titular da Justiça.