Moro: ‘Disse ao presidente que a interferência na PF seria política’
'O problema não é alguém que entra, mas quem entra', diz ex-juiz da Lava-Jato ao pedir demissão do cargo de ministro da Justiça
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse, ao pedir demissão do cargo nesta sexta-feira, 24, que avisou o presidente Jair Bolsonaro que a interferência no comando da Polícia Federal seria política e que o problema não é “alguém que entra, mas quem entra”. Ele lembrou também que o presidente lhe deu carta branca quando ele decidiu deixar de ser juiz da Operação Lava-Jato, – foi magistrado por 22 anos – para assumir o posto. “Quando fui convidado para ser ministro, em 1º de novembro, tivemos uma conversa sobre combate à corrupção e ao crime organizado. Foi dada carta branca para nomear pessoas para todos esses órgãos, incluindo a Polícia Federal”, disse.
Moro decidiu deixar o governo depois que o presidente demitiu, em publicação no Diário Oficial da União na madrugada desta sexta-feira, a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, delegado Maurício Valeixo, que era homem de sua confiança. Moro já tinha sido informado da intenção do presidente de demitir o seu braço-direito – eles são próximos desde os tempos da Lava-Jato quando o ex-ministro era juiz federal em Curitiba e Valeixo era superintendente-geral da PF no Paraná – na quinta-feira 23 durante a reunião semanal que Bolsonaro tinha com o titular da Justiça.
No início da entrevista em que anunciou a sua demissão, ele afirmou que queria lamentar o episódio, que terá forte repercussão política e econômica, em meio à pandemia do coronavírus. “Primeiro, queria lamentar a realização desse evento na data de hoje enquanto estamos passando por uma pandemia,, mas foi inevitável. Lamento fazer isso nesse momento adverso, mas não foi por minha opção”, disse.
ASSINE VEJA
Clique e AssineEle também elogiou a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff pela sua postura em relação à PF. “(Em 2014, no governo Dilma] Gostaria de lembrar que foi garantida a autonomia da Polícia Federal nesses trabalhos de investigação. O governo na época tinha inúmeros defeitos, aqueles números gigantescos de corrupção, mas foi fundamental a autonomia da PF para a realização dos trabalhos naquela época”, disse.
Moro, então, começou a falar dos problemas que teve com o presidente em relação ao comando da PF. “A partir do segundo semestre do ano passado, passou a haver insistência do presidente da troca do comando da Polícia Federal. Houve primeiro desejo de trocar superintendente da PF do Rio de Janeiro, sinceramente não vi motivo para essa troca, mas houve desejo dele próprio de sair por questões pessoais”, disse.
Sobre a troca de Valeixo, ele afirmou. “Eu disse que não via problema, mas precisava de uma causa para isso, como insuficiência de desempenho, um erro grave. Vi que o diretor-geral cumpria o seu trabalho de maneira positiva”, afirmou. “Houve essa insistência do presidente, falei para ele que seria uma interferência política, que isso teria impacto político. Interferência na Polícia Federal implica abalo da credibilidade, não só minha, mas do governo federal”.
Ele disse, então, que sugeriu a Bolsonaro que a troca fosse feito por alguém técnico, que fosse de sua confiança também, e sugeriu o nome do diretor-executivo da PF. “Para evitar uma crise durante a pandemia, eu sinalizei que poderia substituir o Valeixo por alguém que desse continuidade aos trabalhos e que fosse uma sugestão minha. Mas não houve resposta”.
Moro disse que afirmou a Bolsonaro que a troca seria uma interferência política. “O presidente me disse que queria alguém que fosse de seu contato, que ele pudesse ligar, ter acesso a relatórios de inteligência e isso não é papel do presidente. A autonomia da Polícia Federal, na aplicação da lei, seja a quem for isso, é um valor fundamental que temos que preservar em um estado de direito. Disse isso ao presidente expressamente. Não entendi apropriado. O problema não é alguém que entra, mas quem entra. Alguém que não consiga dizer não ao presidente me deixa dúvidas se vai conseguir dizer não em outras ocasiões”, disse.
Segundo Moro, o presidente “informou que tinha problemas com processos em curso no STF e, por isso, seria prudente a troca na Polícia Federal”. “É algo que gera uma grande preocupação”, disse.
Apesar de a demissão de Valeixo ter saído no Diário Oficial da União com a assinatura de Moro, ele disse que isso não ocorreu. “Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei a exoneração. Sinceramente fui surpreendido, achei ofensivo. Isso foi uma sinalização do presidente para não me ter no cargo”, afirmou. “Meu entendimento foi que não tinha como aceitar essa substituição, há uma questão envolvida da minha biografia como juiz, da lei, do direito e da impessoalidade em relação ao governo. Seria um tiro na Lava-Jato se houvesse substituição de delegados. Tenho que preservar minha biografia”.