Militares reclamam de cortes no orçamento e apontam serviços que podem parar
No centro das investigações por uma suposta tentativa de golpe, os fardados acreditam não haver boa vontade do governo petista em melhorar condições

Todos os dias, aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) carregam as principais autoridades nacionais em viagens dentro e fora do país. O benefício pode ser usufruído pelo vice-presidente da República, pelos chefes do Legislativo e do Judiciário, pelos comandantes das Forças Armadas e por ministros de Estado, que recorrem aos jatinhos, com base na lei, para o cumprimento de agendas oficiais ou por questões de segurança. Não são raras, entretanto, situações em que os voos são estendidos a casos que não estão previstos na legislação, como aos ministros do Supremo Tribunal Federal ou a que passageiros estiquem viagens de interesse meramente pessoal. O transporte, gratuito, é autorizado após uma solicitação ao Comando da Aeronáutica ou por meio da concessão do Ministério da Defesa. É em geral um processo descomplicado e sem burocracia, mas esse cenário pode mudar. Em meio à disputa em torno do Orçamento, militares avisaram a membros do governo que, em breve, os aviões poderão ter de ficar estacionados. Motivo: falta dinheiro até para a aquisição de combustível.
O alerta de que os tanques estão na reserva foi feito algumas vezes e já chegou ao conhecimento do presidente Lula. No final de maio, assessores do Planalto receberam um pedido dos militares de liberação de 1 bilhão de reais extras para suprir o desfalque no abastecimento e para a manutenção de equipamentos parados por falta de peças básicas. Estima-se, por exemplo, que metade dos sessenta aviões Super Tucano — destinados, entre outras finalidades, para missões na Amazônia — estejam parados. Apesar do apelo, o governo anunciou dias depois um corte de 31 bilhões de reais no Orçamento para que as contas caibam dentro da meta fiscal do ano. A Defesa foi a segunda pasta mais atingida, com uma tesourada de 2,6 bilhões de reais. Interlocutores das Forças Armadas passaram, então, a traçar um cenário bem mais catastrófico do que apenas deixar os aviões na garagem. Eles afirmam que os militares estão em “estado vegetativo”, a ponto de não conseguir arcar com contas de luz e de água. Na prática, dizem, a falta de recursos pode impactar operações que exijam uma pronta resposta para uma situação de calamidade, a exemplo do que ocorreu no resgate às vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul.
Há um componente político que complica a situação atual. No centro das investigações por uma suposta tentativa de golpe, os fardados acreditam não haver boa vontade do governo petista em melhorar as condições das Forças. O orçamento do Ministério da Defesa, que antes do corte era de 133 bilhões de reais neste ano, é o quinto maior da Esplanada. Só que mais de 80% da verba é direcionada para o pagamento de pessoal. Os gastos com militares da ativa e da reserva são na mesma proporção, de cerca de 30 bilhões para cada, e há também os dispêndios com os pensionistas. Sobra, portanto, uma parte minoritária para os investimentos, que chegaram à menor proporção da última década.

Há outro complicador. No fim de 2024, o Ministério da Fazenda encaminhou ao Congresso um projeto de lei que estabelece novas regras para a Previdência dos integrantes das Forças Armadas. O texto prevê uma idade mínima de 55 anos para a transferência à reserva e acaba com as pensões dos beneficiários de quem for preso e perder a patente, a chamada “morte ficta”. Ninguém quer cortar na própria carne. O projeto que altera as regras de aposentadoria está há seis meses parado.
Em meio ao embate que se avizinha, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, sonha em deixar como legado outra proposta, que fixa na Constituição um valor mínimo para o orçamento das Forças Armadas. Seria, defende ele, uma forma de blindar os recursos da interferência dos humores políticos e de garantir uma previsão para investimentos de longo prazo. O tema, porém, também está engavetado no Congresso. No início deste ano, Múcio avisou a Lula que sua temporada no governo estava chegando ao fim e que considerava a sua missão cumprida. A pedido do presidente, ele aceitou fazer hora extra na Esplanada. Só não se sabe até quando o combustível do ministro, queimado em assuntos espinhosos, vai durar.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948