Marqueteiros do PT orientam candidatos a nacionalizar campanha municipal
Depois de incluírem 'Deus' nos pronunciamentos do presidente, eles também estão instruindo os concorrentes a destacar a 'família'
Desde o início do ano, a equipe de comunicação do Palácio do Planalto e os marqueteiros do PT tentam encontrar uma fórmula para reverter ou, no mínimo, estancar a queda de popularidade do presidente Lula. Algumas pesquisas mostram que desaprovação do governo é maior do que a aprovação. Para os petistas, esses índices não refletem necessariamente a insatisfação do eleitor, mas sim o desgaste diante de uma dificuldade crônica de enfrentar os opositores nas redes sociais. Numa iniciativa para tentar reverter esse cenário, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, lançou um curso para ensinar a militância e os candidatos a cargos eletivos técnicas de atuação nos embates digitais. Em linhas gerais, são dadas dicas de como difundir conteúdos para atingir o maior número possível de pessoas, recomendações sobre aplicativos a ser utilizados e orientações de como reagir às fake news — tudo mais ou menos óbvio. Uma das aulas, no entanto, revela algumas estratégias curiosas que o partido pretende adotar de agora em diante.
Existe um certo consenso de que eleições municipais normalmente são pouco contaminadas pelas disputas nacionais. Os eleitores que irão às urnas em outubro estariam mais interessados em escolher um candidato que tenha as melhores respostas para os problemas do dia a dia da sua cidade — leia-se questões relacionadas a educação, saúde, segurança e transporte. O PT pensa em inverter essa lógica. Para os marqueteiros do partido, será fundamental que seus candidatos nacionalizem o debate, independentemente de onde for a disputa, destacando sempre que possível os programas implantados pelo governo federal. “Estamos em um ano crucial, em que a agenda geral do Brasil tem que se materializar numa agenda municipal. E você é parte disso”, disse João Brant, secretário nacional de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República, que ministrou a aula inaugural do curso. Essa estratégia de vincular os debates municipais às ações do governo federal tem um objetivo explícito.
Na aula, o assessor do presidente lembra que Lula venceu Jair Bolsonaro em 2022 por uma margem mínima de votos. O sucesso do ex-presidente encontraria explicação, segundo ele, no domínio que a direita exerce sobre as redes sociais. Para garantir a reeleição em 2026, será essencial uma mudança de atitude e de comportamento dos ativistas de esquerda. Uma das recomendações é que os candidatos abordem em suas campanhas assuntos relacionados à família. “Nas pesquisas que a gente vem fazendo, a família aparece como ponto em comum, independentemente do espectro político dessa pessoa, se ela é a favor ou contra Lula. A preocupação com a família e com o futuro dos filhos é algo que nos une. Isso pode ser um gancho para construir uma estratégia de diálogo com as pessoas”, afirmou Brunna Rosa, secretária nacional de Estratégia e Redes da Secom, palestrante do curso e, entre outras atividades, responsável também por gerenciar as redes sociais da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. A orientação já está sendo testada pelo presidente da República.
Moldar candidatos para que eles digam aquilo que o eleitor gostaria de ouvir sem comprometer a espontaneidade é uma tarefa que desafia os profissionais do marketing político. A equipe do Planalto tem se dedicado a fazer isso nos últimos meses, mirando, por exemplo, o eleitorado religioso. O presidente foi aconselhado a inserir em seus discursos, sempre que possível, palavras como “Deus”, “fé” e “milagre” — e agora também foi acrescido o termo “família”. “Lula está tentando se sintonizar com a maioria da sociedade, entrar em uma faixa de público que rejeita suas propostas a curto, médio e longo prazo. É uma mudança de rumo no sentido de se aproximar da maioria da população, visando a uma melhora de desempenho eleitoral”, avalia Paulo Baía, professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante uma viagem recente ao Nordeste, Lula cumpriu à risca o protocolo: “Vocês acreditam em Deus? Vocês acreditam em milagre?”, perguntou para a plateia durante a inauguração de uma obra. Em seguida, falou de sua infância, da família e alfinetou o ex-presidente Bolsonaro e seus apoiadores em sintonia com o novo vocabulário: “Deus não é mentira, é a verdade, e não pode usar em vão como eles usam todo santo dia”. Curiosamente, só falta a palavra “pátria” para o PT igualar seu discurso ao slogan conservador de Bolsonaro.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896