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Maior preocupação do eleitor, segurança pública domina debate municipal

Tema deixou de ser coadjuvante na disputa pelas prefeituras e migra para o centro das propostas de pré-candidatos de todos os matizes políticos

Por Lucas Mathias, Ludmilla de Lima 30 jun 2024, 08h00

Na divisão de tarefas entre as esferas de poder, zelar pela segurança da população cabe sobretudo aos governadores. São os estados que estão à frente das Polícias Civil e Militar, responsáveis pelo enfrentamento da bandidagem. Aos municípios, restam tarefas que, embora mais indiretas, têm seu potencial de colaborar no combate à criminalidade, seja preservando o mais básico, como a iluminação pública em dia, seja tomando medidas para garantir a obediência à lei fundiária, tão castigada pela invasão de marginais que desdenham da lei. Mesmo com essas fronteiras bem definidas, a violência, elencada como preocupação número 1 dos brasileiros, fenômeno registrado pesquisa após pesquisa, migrou com tudo para os palanques dos ainda pré-candidatos a prefeito. E o que se vê são políticos de todos os matizes, muitos concentrados em grandes cidades, debruçados sobre seus programas para trazer a segurança ao centro das eleições de outubro.

Um levantamento feito por VEJA mostra que dezessete aspirantes à cadeira de alcaide nas 26 capitais são egressos das forças de segurança e já declararam que irão se apresentar na cédula como delegados, capitães ou sargentos. Em São Paulo, onde o prefeito Ricardo Nunes (MDB) briga pela reeleição em uma costura com o PL de Jair Bolsonaro, foi escalado para vice Ricardo de Mello Araújo (PL), um ex-coronel da Polícia Militar que integrou a Rota, braço de elite da corporação conhecido por sua elevada letalidade. O nome atende aos anseios dos eleitores ouvidos em pesquisas internas dos marqueteiros de Nunes — pela primeira vez, o controle da violência desponta no topo das expectativas sobre a gestão municipal. Não à toa, Nunes vem posando ao lado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), bem avaliado na área. Nesse duelo, Guilherme Boulos (PSOL) acaba de se comprometer com a contratação de 5 000 agentes para a Guarda Civil e com a implantação de um programa para recuperar celulares furtados, com base em uma boa experiência do Piauí.

ALTA TEMPERATURA - Paes (à esq.) e Ramagem: duelo no Rio vai passar pelo combate à criminalidade
ALTA TEMPERATURA - Paes (à esq.) e Ramagem: duelo no Rio vai passar pelo combate à criminalidade (Charles Sholl/Brazil Photo Press/Andre Borges/Getty Images)

Ciente de estar caminhando sobre um terreno mais movediço para o espectro da esquerda, dado que a direita se apropriou de um discurso linha-dura insuflado pelo bolsonarismo, o PT lançou uma cartilha com propostas para a segurança, para dar um norte a seus candidatos. O panfleto defende o reforço do policiamento ao redor de escolas e o apoio ao combate a maus-tratos contra as mulheres, mas a principal recomendação mesmo é a velha ideia (muito martelada pela oposição, aliás) de armar a Guarda Civil, a princípio encarregada de vigiar os prédios municipais. Os especialistas são unânimes em afirmar que agentes munidos apenas de cassetetes são inócuos contra o crime, mas ponderam que é preciso cautela na adoção da medida. “Não faz sentido transformar as guardas municipais em mini-PMs, sua função é a segurança comunitária”, diz Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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A iniciativa do Planalto é uma tentativa de dar respostas especialmente no Nordeste, onde o crime organizado avança e os homicídios crescem, atingindo as gestões estaduais do PT na região — o que, sabidamente, pode reverberar no pleito deste ano. Na Bahia, governada pelo petista Jerônimo Rodrigues, ficam sete das dez cidades mais violentas do país, fruto do sangrento confronto entre forças policiais e quadrilhas. O partido, nesse contexto, fez um movimento ao centro e saiu em apoio do vice-governador, Geraldo Júnior (MDB), na corrida pela prefeitura de Salvador. Contrariou assim a ala mais à esquerda, que se vê representada na figura de Kleber Rosa (PSOL), não por acaso um investigador da Polícia Civil. “O governo do estado será cobrado agora pela incapacidade de dar à sociedade o que ela espera”, aposta Bruno Reis (União Brasil), atual prefeito da capital baiana. Também do PT, o governo de Elmano de Freitas, do Ceará, vive tormento semelhante. Os homicídios ali subiram 20%, o que passou a dominar a disputa em Fortaleza, dando fôlego ao bolsonarista Capitão Wagner (União Brasil), que vem atropelando os postulantes do PT e do PDT de Ciro Gomes. “Não há mais lugar seguro no Ceará”, brada o capitão.

AÇÃO E REAÇÃO - Boulos e, abaixo, Nunes, com Tarcísio, Bolsonaro e Mello: ninguém quer ficar para trás no tema
AÇÃO E REAÇÃO – Boulos e, abaixo, Nunes, com Tarcísio, Bolsonaro e Mello: ninguém quer ficar para trás no tema (Suamy Beydoun/AGIF/AFP/Rafaela Araújo/Folhapress/.)

Um dos picadeiros mais efervescentes para o debate da segurança é, certamente, o Rio de Janeiro, onde a milícia e o tráfico dominam imensos nacos do território. Na disputa pela prefeitura carioca, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL) aposta suas fichas na condição de candidato do ex-presidente Bolsonaro, lembrando pertencer aos quadros da Polícia Federal. “Chama o delegado”, diz o jingle de um vídeo que circula entre seus apoiadores (que não menciona, por óbvio, ser ele investigado por um sistema paralelo de arapongagem enquanto esteve à frente da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin). O atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), que disputa a reeleição, também adentrou esse terreno — endureceu seus pronunciamentos contra a milícia e instalou na Secretaria de Ordem Pública um delegado da Polícia Civil, Brenno Carnevale. Até o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL) planeja agitar com vigor a bandeira da segurança, disparando contra “a inação” frente ao crime organizado.

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Outro que está focado na reeleição, o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), inventou uma tal Romu, sigla para Ronda Ostensiva Municipal, para atuar nos terminais de ônibus. Almeida sustenta que a medida colheu bons resultados, mas ela não impediu a ofensiva de seu rival, o deputado federal Amom Mandel (Cidadania), um novato de 23 anos que ganhou projeção ao denunciar o suposto envolvimento da cúpula da segurança do estado com células criminosas. “A toda hora vemos aqui policiais e guardas municipais presos por corrupção”, ataca Mandel, que sofreu uma batida policial a qual jura ter sido arquitetada por adversários na arena política. Enquanto o Amazonas se afoga em números desfavoráveis, o atual alcaide se mexe para não perder terreno. “Quando as coisas vão mal, você vai jogar pedra na casa da autoridade mais próxima, que é o prefeito”, lembra Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

DURA MISSÃO - Lewandowski: proposta de PEC que amplia a atuação da PF
DURA MISSÃO – Lewandowski: proposta de PEC que amplia a atuação da PF (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Com a taxa de homicídios praticamente inalterada há quatro anos e os roubos e furtos de celulares cravando 120 por hora por todo o país, os brasileiros se veem enredados na insegurança, um cenário ao qual o governo Lula está bem atento — e tem razões para tal. “A direita vem tomando a dianteira no tema e tem oferecido opções vistas como mais práticas que as da esquerda, voltada para avanços sociais, estratégia tida como de mais longo prazo”, avalia José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Na quarta-feira 26, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, municiou o presidente com a proposta de uma PEC que amplia as atribuições da Polícia Federal para atuar na investigação de crimes cometidos por facções e milícias, texto a ser apreciado ainda pelo Congresso. A ver se a iniciativa vai mesmo atacar o problema, que certamente extrapola, e muito, o pleito de outubro.

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Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899

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