Quando aceitou o convite para assumir o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad disse ao presidente Lula que a sua prioridade era equilibrar as contas públicas, porque só assim seria possível ao governo cumprir as promessas de campanha, impulsionar a economia de forma sustentável e combater a desigualdade social. O plano dele sempre foi fazer o ajuste de forma moderada e gradual, até para não melindrar o chefe e não ser acusado de tocar uma política econômica que, segundo os petistas, foi rejeitada nas urnas.
No ano passado, com a ajuda do Centrão, Haddad conseguiu aprovar o novo arcabouço fiscal e recompor o orçamento de programas sociais. Foi uma vitória importante, mas parcial. Desde então, ele lidera uma cruzada quase solitária para tentar conter o crescimento acelerado das despesas obrigatórias, que, se não for revertido, pode engessar o governo, deixando-o sem recursos para investir e até para custear a máquina pública. Diante desse risco, o ministro reforçou a pregação a favor de um plano de corte de gastos, que, após ser rechaçado durante meses, foi finalmente avalizado por Lula, mas ainda não concluído, depois de três semanas de intensas negociações.
Resistência interna
Apesar de ter dado sinal verde ao ministro, o presidente lidera o coro de ressalvas ao pacote. Lula é adepto do mantra segundo o qual “gasto é vida”. Ora reclama da pressão do mercado, ora diz não aceitar que os custos recaiam sobre os ombros dos mais pobres, ora cobra algum tipo de sacrifício dos mais ricos e das elites do funcionalismo, da política e do empresariado. Seu temor é ser acusado pela oposição de tirar dinheiro dos mais necessitados, um discurso simplista de fácil propagação nas redes sociais.
Como o pacote ainda não foi anunciado, não se sabe a sua dimensão. Há propostas de todos os tipos sob avaliação, como mudanças no piso orçamentário de saúde e educação, adoção de regras mais rígidas para a concessão de benefícios previdenciários e fixação de teto para a política de correção do salário mínimo. Nos últimos dias, o regime de previdência dos militares, um tema sempre sensível, ainda mais numa gestão petista, entrou na mesa de negociação.
Voto de confiança
Disciplinado e paciente, Haddad tem afirmado a Lula que seu plano não tem o objetivo de agradar ao mercado, mas manter de pé o arcabouço fiscal. As medidas ajudariam a melhorar as finanças e não prejudicariam as ações do governo, sobretudo em áreas sociais. Além disso, melhorariam o ambiente econômico e a confiança dos investidores. O presidente, mais uma vez, lhe deu um voto de confiança, e a expectativa é de que a nova etapa do ajuste seja anunciada nos próximos dias.
Segundo um dos ministros mais próximos de Lula, o presidente contesta ideias de Haddad, faz ressalvas a algumas propostas, mas no final atua em parceria com o chefe da equipe econômica. Foi assim, por exemplo, quando o governo anunciou um corte de 25,9 bilhões de reais em agosto, e a Petrobras mudou de entendimento e resolveu distribuir dividendos extras aos acionistas.
Há quem diga que Lula e Haddad encenam um roteiro previamente combinado, no qual um discursa para a base eleitoral de esquerda enquanto o outro, aos trancos e barrancos, faz avançar medidas mais alinhadas com o centro do espectro político. Essa combinação ampliaria o leque de potenciais eleitores da dupla.