Suspeito número 1 de esquema da rachadinha é nomeado secretário por Lula
Na campanha, o petista bateu forte no escândalo dos Bolsonaro. Empossado, escolheu o ex-deputado André Ceciliano para chefe de Assuntos Federativos
Durante os quatro anos da gestão Jair Bolsonaro, um fantasma assombrou intensamente o Palácio do Planalto. Em outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, descobriu-se que o Ministério Público havia quebrado o sigilo bancário de 21 deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e colhido indícios de que, durante anos, lá funcionou um esquema de recolhimento ilegal de parte dos salários dos funcionários. Na época, todas as atenções naturalmente se concentraram sobre o suspeito mais famoso da lista: Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do futuro presidente da República, acusado de desviar 6 milhões de reais. O caso fragilizou o discurso do pai dele sobre ser implacável com a corrupção, envolveu o governo em uma série de fatos controversos e, embora não tenha resultado judicialmente em nada, marcou definitivamente a imagem do clã. Bolsonaro se foi, mas o espectro da rachadinha vai continuar rondando o Planalto — só que agora encarnado em outro personagem.
O ex-deputado André Ceciliano (PT-RJ) assumiu o comando da Secretaria de Assuntos Federativos, órgão que funciona no quarto andar do Palácio do Planalto, um pavimento acima do gabinete do presidente da República. Na época que eclodiu o escândalo das rachadinhas, ele comandava a Assembleia Legislativa do Rio e aparecia no topo da lista de suspeitos como beneficiário de quase 50 milhões de reais. Assim como Flávio Bolsonaro, ele sempre negou que seu gabinete confiscasse parte dos salários dos funcionários. Assim como o caso de Flávio Bolsonaro, as investigações também não resultaram em absolutamente nada, o que não quer dizer necessariamente que irregularidades não ocorreram. Os inquéritos que apuravam a rachadinha nos dois gabinetes foram arquivados, mas as investigações não foram encerradas. “Ficou provado que o deputado não participou de esquema algum”, disse Luciana Pires, advogada de Ceciliano e, por coincidência, também defensora do filho do ex-presidente.
Atormentado pela “rachadinha”, Flávio Bolsonaro livrou-se das acusações em maio do ano passado. A Justiça do Rio arquivou o processo com base em uma decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Um ano antes, Ceciliano também havia se livrado do estigma, quando o Ministério Público descartou a hipótese, após analisar as quebras de sigilo bancário do deputado. Desde então, a Promotoria trabalha em outra linha de investigação: a de que o dinheiro detectado nas contas dos assessores do deputado, cuja origem ainda é desconhecida, na verdade foi movimentado para quitar uma dívida do parlamentar com um agiota que já tinha sido lotado no seu gabinete. Questionado sobre os detalhes e a situação do processo, o Ministério Público do Rio informou que as investigações correm em segredo de Justiça e que não podia dar informações.
O problema é que acusações graves como essas, muitas feitas antes de uma apuração mais rigorosa, eternizam suspeitas sobre figuras públicas que podem, em tese, ser realmente inocentes. No mundo político, a prática serve como uma poderosa arma de destruição. Na campanha eleitoral do ano passado, por exemplo, Lula não hesitou em atacar seu adversário invocando o caso envolvendo Flávio. “Violência e corrupção andam de mãos dadas com a família Bolsonaro. E de tudo isso surgiu o esquemão milionário da rachadinha. Bolsonaro e os filhos desviavam os salários dos funcionários para abastecer os cofres da família”, dizia uma das peças da propaganda petista. Agora no Palácio, a convite do próprio Lula, Ceciliano é alvo das mesmas insinuações. “O PT e o Lula vivem criando narrativas. Durante esse tempo todo nos acusaram de ser o governo da rachadinha. Agora eles vão admitir que são o governo do rachadão?”, provoca o deputado Carlos Jordy (PL-RJ).
O ex-deputado André Ceciliano diz que seu caso não guarda nenhuma semelhança com o que envolveu o filho do ex-presidente. “Minha história é diferente da história do Flávio. Não tinha dinheiro saindo do gabinete e indo para a conta do meu funcionário. Foi dinheiro de particulares, de empresas. No caso do Flávio, era do gabinete para pessoas”, explicou. O novo secretário é considerado um negociador habilidoso, moderado, sem muita ou quase nenhuma amarra ideológica. Com esse perfil, ele conseguiu comandar a Alerj por quatro anos e dar sustentação política a governos de colorações distintas, como o de Luiz Fernando Pezão (MDB), Wilson Witzel (PSC) e de Cláudio Castro (PL). Embora sua nomeação ainda não tenha sido oficializada, Ceciliano já cumpre uma extensa agenda diária. Sua primeira missão à frente do cargo é ouvir prefeitos e governadores em busca de uma solução sobre a desoneração dos combustíveis. “Vamos ter de montar uma saída. Não dá para subsidiar a gasolina. Tem de subsidiar o diesel, porque é usado para plantar, para transportar, para comercializar”, afirmou. É, sem dúvida, uma tarefa difícil, mas ainda pequena se comparada ao constrangimento de ser acusado de participar de uma irregularidade ou, como dizia Lula, de um “esquemão milionário”.
Em resposta à reportagem de VEJA , o ex-deputado André Ceciliano enviou à redação a seguinte nota:
Sobre a matéria “Suspeito número 1 de esquema da rachadinha é nomeado secretário por Lula” , publicada na edição da 2.827 da revista VEJA, cabe esclarecer que o caso que envolveu o ex-deputado André Ceciliano não é comparável ao do senador Flávio Bolsonaro pelas seguintes razões:
1) A investigação acerca de possível prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro foi, como se sabe, suspensa pelo STJ. No caso do ex-deputado André Ceciliano, ela foi devidamente concluída e arquivada depois que Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, ao fim de dois anos de investigação, constatou que não houve qualquer transferência de recursos ou valores de funcionários do gabinete para as suas contas pessoais, de seus familiares ou entre os próprios servidores. Isso é de conhecimento público e já foi objeto de inúmeras matérias, disponíveis em buscas na Internet.
2. Também não é verdadeira a informação de que a advogada Luciana Pires, que defendeu Flávio Bolsonaro no caso da “rachadinha”, teria assessorado o ex- deputado André Ceciliano na investigação correlata. Quem o representou, conforme mostra documento em anexo, foi o advogado Raphael Corrêa – e não Luciana Pires.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828