Luiza Erundina: “A política me deixa jovem”
Às vésperas dos 90 anos, a deputada conta como foi parar na UTI e saiu de lá já agitando bandeiras
A política sempre representou a dimensão mais relevante da vida para mim. Nasci no sertão da Paraíba, em uma região tomada pela desigualdade, como tantas do Nordeste. Minha numerosa família — pai, mãe e dez filhos — era obrigada a migrar sempre que havia seca, uma realidade com a qual jamais me conformei. Ainda muito jovem, ficou claro que teria que agir para mudar o cenário. Em vez de repetir o padrão vigente naquela sociedade, em que a mulher se casa cedo e logo se vê rodeada de uma filharada, fiz uma opção diferente, seguindo justamente a trilha da política. É isso o que me alimenta e me inspira, me mantém ativa e me traz juventude. No final de novembro, eu completo 90 anos de idade e me sinto motivada da mesma maneira que aos 20, ou até mais.
Cada etapa da vida tem suas características e riqueza. Estou na velhice e, ultimamente, meu coração andou meio irritado. Durante uma reunião da Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados, não faz muito tempo, senti um pouco de falta de ar. Na condição de relatora, estava em meio à defesa de um projeto de lei de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS). A ideia era colocar nomes de vítimas da ditadura em logradouros públicos, para honrar suas memórias. Havia ali uma claque da direita bolsonarista, que teve uma atitude hostil com os parlamentares de nosso campo. Quando me dei conta, estava passando mal. Fui então socorrida pela assistência médica da Casa, que achou por bem me encaminhar a um hospital de Brasília. Tive covid-19 e algumas sequelas da doença permanecem até hoje. Naquele momento, elas se manifestaram com certa gravidade e, por isso, precisei ficar internada por dois dias na unidade de terapia intensiva. Mas já estou recuperada e muito bem, pronta para brigar pelo que acredito.
O que muito me entristece é ver que o ambiente no Congresso não é mais aquele de alguns mandatos atrás — ele é de ódio e intolerância. Como educadora e assistente social, sei que também tenho responsabilidade sobre isso. E acho que um bom caminho para sair desta situação é a conexão com a juventude. Me sinto bem aceita pela turma mais nova e quero que acompanhem meu trabalho e se interessem pela política. Mas percebo que está faltando um encantamento. Uma vida dedicada a esse tipo de atividade pressupõe cultivar um sonho que seja maior do que a própria trajetória. Precisa ser algo grande, num patamar diferente. Em meu caso, a luta é em tempo integral, buscando contagiar os outros — em permanente processo pedagógico lado a lado com a juventude. O sentido da minha vida é conviver com gente de diferentes idades, procurando o que nos une. É assim que sou feliz e me realizo.
Estou em meu sétimo e último mandato, que foi confiado pelo povo de São Paulo. Tudo o que os outros deputados fazem, eu faço. Vou e volto toda semana de Brasília e, às vezes, até extrapolo. Gosto muito de música, de ler e de visitar os amigos. Não sou daquelas que preferem ficar sozinhas. Claro que tenho minhas limitações, mas mantenho a energia e a disposição para tocar a vida em frente e trabalhar por aquilo em que acredito. A campanha à prefeitura da capital paulista está me permitindo retornar às bases, ir a comunidades que há tempos não visitava e onde as pessoas me reconhecem. Essa acelerada dinâmica eleitoral, que se tudo der certo vai levar ao governo, renova meu ânimo. E isso não é fantasia, não: quando a tarefa é desafiadora, logo me motivo. O que é fácil não tem graça para mim. Tenho ainda dois anos de trabalho no Congresso pela frente e peço a Deus que me dê força e saúde para concluí-los. Dentro ou fora do plenário, sinto que nunca vou deixar a política. É o que me faz levantar. É a grande paixão da minha vida.
Luiza Erundina em depoimento a Ludmilla de Lima
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914