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Ligações perigosas: as revelações inéditas dos celulares de Dr. Jairinho

Conteúdo dos aparelhos do ex-vereador, acusado de matar o enteado, mostra que ele acionou uma poderosa rede para tentar se livrar do crime

Por Marina Lang, Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 13h31 - Publicado em 2 jul 2021, 06h00

Dono de uma agenda no celular com 17 895 nomes, o ex-vereador Jairo Souza Santos, o Dr. Jairinho, mantinha em sua teia de contatos vários poderosos da República. E fez farto uso dela depois do assassinato do enteado Henry Borel, 4 anos, pelo qual é acusado. Já se sabe, por exemplo, que um dia após a morte do menino, na tarde de 9 de março, o político buscou socorro do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que, segundo o próprio, teria dito a Jairinho que a delegacia responsável cuidaria do caso, encerrando a ligação. Mas o vereador insistiu — e aí está a novidade. Até 17 de março, quando o crime veio a público, seguiram-se outras quatro tentativas de acionar Castro. O governador garante que não deu papo. “Ele pode ter ligado, mas não atendi”, sustenta ele, que não aceitou o convite da Câmara dos Vereadores para falar sobre aquele primeiro telefonema. Os acenos de Jairinho à sua poderosa rede, aí incluídos parlamentares, ex-namoradas e até o ex-prefeito Marcelo Crivella, estão registrados em dois aparelhos apreendidos pela polícia em 26 de março, material ao qual VEJA teve acesso com exclusividade.

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Preso e cassado por unanimidade pela Câmara do Rio (49 votos a zero) na quarta-feira 30, Jairinho tomou o cuidado de apagar mensagens e ligações que julgou comprometedoras — sobretudo nos quatro dias que sucederam ao crime —, mas um software israelense ajudou a resgatá-las, ainda que seu teor tenha se perdido, como no caso do governador. Mesmo assim, o conjunto que emerge dos aparelhos confiscados mostra como Jairinho se movimentou para manipular as mulheres com quem se relacionava, livrar sua imagem e encobrir o passo a passo do bárbaro homicídio. Ele sempre alegou que estava dormindo quando o menino foi morto, versão que a polícia já derrubou e, agora, também os registros de seu celular desfazem com riqueza de detalhes.

Na trágica madrugada do dia 8, enquanto Jairinho dizia estar dormindo, embalado por remédio, ele enviou uma mensagem, à 1h43, à irmã Thalita dos Santos. Logo depois, estranhamente, fez cinco contatos pelo celular com a ex-namorada Monique Medeiros, a mãe de Henry, sendo que ambos estavam em casa. Isso sugere que ele já montava uma história. “Na primeira vez que Monique falou com a família, contou que Jairinho tinha saído naquela noite”, lembra um parente. Depois de uma trégua, o telefone de Jairinho voltou a toda — às 4h57, ele tentou contato com Pablo Meneses, executivo da Rede D’Or, que, às 7h34, negou o que lhe pedia o vereador: uma mãozinha para pularem a etapa do Instituto Médico Legal.

arte Jairinho

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O vaivém nos celulares de Jairinho revela que ele resolveu então partir para a seara do poder público. Entre seus mais frequentes interlocutores estava o delegado licenciado Marcos Cipriano, ligado ao governador e ao secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski. Três horas após a morte de Henry ser oficialmente declarada, “os irmãos”, como se tratavam, fizeram contato — Jairinho ainda o acionou 42 vezes em dez dias. Em uma das mensagens não deletadas, o delegado enfatiza que o vereador vá atrás de um certo policial com acesso aos investigadores do caso. Procurado para comentar o gesto em prol do amigo, Cipriano respondeu: “Não tenho interesse”. Políticos graúdos, como o ex-prefeito Marcelo Crivella, também prestaram solidariedade ao padrasto de Henry. “Deus te ajude nesses momentos difíceis que os perseguidos homens públicos sofrem com a presunção da culpa”, apiedou-se (veja no quadro). Jairinho se mexeu ainda para angariar apoio em grupos de WhatsApp, como o que mantinha com o presidente do Tribunal de Contas do Município, Luiz Antonio Guaraná — “Imprensa me ligando. Bom q não saísse nada. Preciso muito da mobilização de vcs para me ajudar!”, escreveu —, e com os colegas da Câmara — “Estão querendo retratar um perfil meu que todos que me conhecem, inclusive uns na Câmara há mais de vinte anos, sabem que é impossível ser verdade”.

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Os registros obtidos por VEJA confirmam que dinheiro não era problema. Para dar um trato na imagem, Jairinho contratou o gestor de redes sociais de Crivella, Lemuel Gonçalves, que pediu 50 000 reais por duas semanas. Preocupava-se com a reação da ex-mulher, Ana Carolina Netto, a quem já havia agredido fisicamente, segundo ela mesmo relatara à polícia. A um assessor, encomendou uma nota em nome dela para circular na imprensa: “Pode escrever e mandar uma declaração da Ana: ‘Jairinho sempre foi um bom marido’ ”, digitou. Outra dor de cabeça que ele e o advogado, André França Barreto, compartilharam era manter Monique “alinhada e confiante” para que não virasse uma “panela de pressão”. Em determinado momento, ela cogitou ter uma defesa independente do namorado, o que só aconteceria com os dois presos, exato um mês depois da morte de Henry. No intenso e inédito tráfego de mensagens, vale ressaltar, o padrasto não demonstra nenhuma afeição pelo menino nem sinal algum de pesar por sua morte.

Publicado em VEJA de 7 de julho de 2021, edição nº 2745

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