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Jogo político no Congresso ameaça governo e trava projetos prioritários

Ao ameaçarem não votar pautas importantes, deputados e senadores mostram que demandas pessoais e políticas estão acima dos interesses do país

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 dez 2024, 06h00

Em fevereiro deste ano, na cerimônia de abertura dos trabalhos legislativos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), subiu à tribuna carregando uma bagagem de insatisfação. Pressionado pela queixa de colegas com a demora do governo para distribuir cargos e verbas, sentou-se ao lado dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que representavam o presidente Lula, e fez um dos seus pronunciamentos mais incisivos. Lira cobrou o cumprimento de acordos, defendeu a autonomia parlamentar para votar projetos e bradou que o Congresso não seria um mero “carimbador” do Orçamento, que, segundo ele, “pertence a todos”, e não apenas ao Executivo. Dez meses depois, no apagar das luzes de 2024 e também do mandato do alagoano à frente da Câmara, o discurso segue patente e vem acompanhado da ameaça de duras consequências ao governo. Insatisfeitos com a suspensão de repasses de recursos para seus redutos eleitorais, deputados e senadores ensaiam um motim capaz de travar a tramitação de projetos considerados prioritários, inclusive do novo pacote de ajuste fiscal.

FATO - Randolfe, líder do governo: “Sem as emendas, a gente não consegue avançar”
FATO – Randolfe, líder do governo: “Sem as emendas, a gente não consegue avançar” (Joédson Alves/Agência Brasil)

O motivo da rebelião são as notórias emendas parlamentares, recursos cuja destinação é indicada por deputados e senadores. Há uma década, o Executivo só liberava o dinheiro quando e na quantidade que quisesse. Hoje, na esteira do processo de fortalecimento do Legislativo, o quadro é diferente. As emendas atingiram a cifra recorde de 50 bilhões de reais em 2024 — e a maior parte tem de ser desembolsada obrigatoriamente pelo governo. Lula sempre manifestou contrariedade à situação e declarou que queria conter a sangria. O presidente não cumpriu a promessa, mas em agosto o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, indicado ao cargo pelo petista, suspendeu o pagamento das emendas impositivas e também de valores pendentes do antigo orçamento secreto, alegando falta de transparência na destinação das verbas. Estava armada a confusão. O próprio Lira acusou Dino de fazer uma tabelinha com o governo no caso. Numa tentativa de conter uma crise, ficou combinado que representantes dos Três Poderes negociariam novas regras para garantir transparência ao caminho do dinheiro — qual parlamentar indicou, para qual projeto e beneficiando qual município.

NO SENADO - CCJ: manobra atrasou a leitura do relatório que regulamentava a reforma tributária
NO SENADO - CCJ: manobra atrasou a leitura do relatório que regulamentava a reforma tributária (Andressa Anholete/Agência Senado)

O Congresso, então, aprovou uma proposta estabelecendo novos critérios. Com o fim das eleições municipais, deputados e senadores voltaram ao trabalho em Brasília tendo como prioridade conseguir a retomada dos pagamentos. As cobranças foram ganhando tração até que Dino, no início deste mês, desbloqueou as verbas, mas manteve uma série de exigências, como a obrigatoriedade de identificação do autor de uma emenda mesmo quando ela, em tese, foi decidida por uma comissão. Os parlamentares viram na decisão uma forma de dificultar o desembolso dos recursos e, mais uma vez, acusaram o ministro do STF de prestar serviço ao Planalto. A confusão, armada há meses, chegou ao ponto de ebulição. Em retaliação, parlamentares avisaram ao governo que não votariam o plano de ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O pacote prevê uma economia de 300 bilhões de reais até 2030, por meio, entre outros, da imposição de um teto para a política de valorização do salário mínimo e de regras mais rígidas para a concessão de benefícios sociais e previdenciários. Diante do azedume parlamentar, restou ao presidente Lula, antes de sua internação, entrar em campo para tentar resolver a questão. Ele procurou Flávio Dino, seu ex-ministro da Justiça, para dizer que precisava de ajuda e que a boa relação com o Congresso dependia disso. Na sequência, a Advocacia-Geral da União (AGU) questionou o STF sobre a liberação das emendas. Dino rejeitou na última segunda-feira, 9, os pedidos de flexibilização apresentados pela AGU e respondeu que os pactos políticos “não são superiores à Constituição”. Aí, o caldo entornou de vez. Horas depois da decisão, uma manobra impediu a leitura do relatório que regulamentava a reforma tributária. Apenas dez parlamentares marcaram presença na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), e a sessão nem sequer pôde ter início. Depois, Lula convocou às pressas os presidentes da Câmara e do Senado para uma reunião. No encontro, o ministro Rui Costa explicou que a decisão de Dino não era tão dura assim e que ela criava condições para a liberação imediata das emendas. O chefe da Casa Civil também prometeu a edição de uma portaria para abrir caminho ao pagamento de cerca de 7 bilhões de reais ainda neste ano. O documento foi tornado público em menos de 24 horas.

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IMPASSE - Dino: o ministro suspendeu o pagamento das emendas por falta de transparência
IMPASSE – Dino: o ministro suspendeu o pagamento das emendas por falta de transparência (Bruno Peres/Agência Brasil)

A promessa desanuviou o ambiente, mas não completamente. Além de esperarem que o dinheiro efetivamente saia, parlamentares reclamam de uma suposta trama oficial para criminalizar as emendas, por meio de investigações de órgãos de fiscalização. Na terça-feira 10, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União levaram às ruas uma operação que investiga corrupção e lavagem de dinheiro com o desvio dessas verbas. Um dos alvos foi o vereador Francisquinho Nascimento, que, ao ser abordado, jogou pela janela uma sacola com cerca de 200 000 reais em dinheiro vivo. Francisquinho é primo de Elmar Nascimento, líder do União Brasil. Horas após a operação, o deputado, que não é investigado no caso, declarou ser “muito difícil” a aprovação do pacote fiscal neste ano por acreditar que não haveria tempo hábil. Em entrevista na última terça-feira, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, evitou dar prazos para votar os projetos econômicos. Ele ainda esgrimiu a tese de que eventual atraso na análise do pacote tem mais a ver com seu conteúdo polêmico do que com a questão das emendas, tratada a ferro e fogo nos bastidores.

INVESTIGAÇÃO - Operação da Polícia Federal: suspeitas de corrupção, desvio de verbas do Orçamento público e sacola de dinheiro atirada pela janela
INVESTIGAÇÃO - Operação da Polícia Federal: suspeitas de corrupção, desvio de verbas do Orçamento público e sacola de dinheiro atirada pela janela (Fotos PF/Divulgação)
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A própria bancada do PT manifestou insatisfação com as normas propostas para o pagamento de benefícios previdenciários. “O problema não é o dinheiro, nem a emenda. O Congresso tem as suas atribuições, tem as suas responsabilidades. Os projetos chegaram há poucos dias”, afirmou Lira. Depois, admitiu o óbvio ao tratar das emendas. “É um assunto que ferve, além de toda a insatisfação pelo não cumprimento de uma lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República.” No Senado, depois das dificuldades iniciais, foi finalmente aprovada a regulamentação da reforma tributária, que agora também depende de votação da Câmara. O anúncio do governo de que pagará bilhões de reais em emendas até o fim do ano ajudou a destravar a tramitação. “Sem as emendas, a gente não consegue avançar. Mas o presidente Lula foi muito inteligente em chamar logo os presidentes da Câmara e do Senado, e o cenário foi mudando”, disse a VEJA o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). Resta saber se haverá tempo hábil para essa operação ainda em 2024.

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição nº 2923

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