INSS: Ligação de Lula e do PT com a Contag pode render dor de cabeça para o governo
A confederação está no epicentro do escândalo de fraude nas aposentadorias

Há mais de duas décadas, uma vez por ano, a Esplanada dos Ministérios é ocupada por milhares de agricultores de vários cantos do país. A manifestação, chamada de Grito da Terra, já é tradição no calendário de Brasília. A única coisa que varia é a intensidade do protesto, que depende muito do governo de plantão. Em 2016, na gestão de Michel Temer, por exemplo, os camponeses invadiram e vandalizaram a sede do Ministério do Planejamento. Pediam a deposição do presidente. Já em 2024, o clima era de camaradagem. Representada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a turma do Grito da Terra foi recebida pelo presidente Lula no Palácio do Planalto e apresentou uma pauta de reivindicações. No dia da passeata, sempre um momento tenso, o governo anunciou a liberação de verbas, a concessão de crédito e a seleção de famílias para o programa de reforma agrária — tudo previamente acertado entre as partes. Agora, essa parceria histórica entre Contag e PT pode se transformar numa imensa dor de cabeça.
A confederação está no epicentro do escândalo de fraude nas aposentadorias do INSS. Entre janeiro de 2019 e março de 2024, a entidade descontou dos idosos mensalidades que, somadas, chegam a 2 bilhões de reais. A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) suspeitam que grande parte desses descontos foi feita de maneira ilegal, ou seja, sem a autorização dos aposentados. Por amostragem, a CGU já sabe que a maioria das vítimas nem sequer desconfiava que estava tendo seus benefícios surrupiados. No caso da Contag, o universo é de 1,3 milhão de pessoas.

Ao quebrar o sigilo bancário da Contag, a investigação constatou que nacos da fortuna arrecadada junto ao INSS foram destinados ao bolso de alguns espertalhões e a uma agência de turismo. “A forma como o dinheiro circula entre as empresas e o lapso temporal dos fatos indicam que os representantes da Contag e as empresas e pessoas envolvidas nas movimentações suspeitas podem fazer parte de uma organização criminosa dedicada à fraude nos descontos associativos e ocultação patrimonial”, disse o Ministério Público, ao emitir parecer favorável às buscas que foram feitas na sede da entidade. Um relatório do Coaf destacou “movimentações atípicas” nas contas da confederação, compra de imóveis por parte de alguns dirigentes e estranhas transferências de “valores exorbitantes”.
As investigações citam o secretário de finanças da Contag, Aristides Veras, que presidiu a entidade até abril. Ele é irmão do primeiro-secretário da Câmara dos Deputados, Carlos Veras (PT-PE), e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Aristides Veras foi o responsável pela assinatura dos acordos de cooperação que viabilizaram os descontos ilegais nos contracheques dos aposentados. “Há suficientes provas da materialidade de que a Contag realizou a fraude documentada, consistente na apresentação de listas falsas ao INSS, contendo nome de pessoas que nunca autorizaram efetivamente o desconto associativo”, afirma o MP. Aristides Veras, por intermédio de sua advogada, nega que tenha havido cobrança indevida dos aposentados ou irregularidades financeiras envolvendo a Contag. “Só recebemos as mensalidades associativas dos trabalhadores rurais que efetivamente autorizam o desconto”, garantiu Vânia Marques, atual presidente da entidade.

No Congresso, a oposição vê nessa conexão Lula-PT-Contag uma estrada aberta para desgastar o governo — sem contar o fato de que outra entidade envolvida no escândalo, o Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), é dirigida por José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente da República. Ciente disso, as lideranças do Planalto já se preparam para enfrentar a avalanche que se avizinha. No Senado, se nenhuma reviravolta ocorrer, já há assinaturas suficientes para ser instalada uma CPMI. Na Câmara, os deputados aprovaram o regime de urgência para um projeto de lei que proíbe descontos nas pensões. E a Procuradoria-Geral da República cobra do Ministério da Previdência um plano para coibir as fraudes e reparar imediatamente as vítimas. Indiferente ao escândalo, Lula, como no ano passado, recebeu dos representantes da Contag a pauta de reivindicações para a edição 2025 do Grito da Terra. O evento, que estava marcado para acontecer nos próximos dias em Brasília, porém, foi adiado.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945