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Impasse pode atrasar Lei Antiterrorismo para Copa

PT e outros partidos de esquerda resistem à proposta com medo que manifestantes que atuam em protestos – entre eles o MST – sejam enquadrados

Por Gabriel Castro, de Brasília
2 mar 2014, 13h11

O Senado se prepara para votar um projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo. A proposta preenche uma lacuna na legislação brasileira, especialmente quando o país se prepara para sediar as próximas edições da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Mas o debate para levar adiante o texto, que impõe penas de até trinta anos de prisão para atos terroristas, acabou travado por resistência do PT e de outros partidos de esquerda. O motivo: o temor que a nova lei seja aplicada para punir vândalos e baderneiros que atuam em protestos e carregam bandeiras de movimentos sociais.

Na prática, o que os petistas pretendem é incluir na nova lei exceções que permitam um salvo conduto para grupos tradicionalmente promotores da baderna, como o Movimento dos Sem-Terra (MST). É uma das razões pelas quais o país ainda não tem uma lei antiterrorismo.

É fato que havia ambiguidades no texto que chegou ao plenário do Senado. A proposta foi formulada na comissão criada para regulamentar itens da Constituição Federal. O projeto, relatado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), prevê penas rigorosas a autores de atentados. Um artigo em especial causou discussão: o 2º, que teria um alcance muito amplo. Ele prevê pena de quinze a trinta anos de prisão para quem “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”.

O artigo 4º, cujo título é “Terrorismo contra coisa”, tem teor semelhante e enquadra um tipo de ataque frequentemente adotado por manifestantes violentos: “Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante dano a bem ou serviço essencial”.

Além de prever punições elevadas, a proposta endurece a progressão de pena, que só poderia ocorrer quando quatro quintos da sentença tiverem sido cumpridos. Ao contrário de outra proposta sobre o tema, que tramita no projeto do novo Código Penal, o texto relatado por Jucá não especifica que um ato precisa ser praticado por razões ideológicas, políticas, religiosas ou separatistas. Ou seja: ataques do crime organizado – como os perpetrados pelo PCC em São Paulo – também estariam sujeitos à pena rigorosa da lei antiterrorismo.

Alternativa – Após o impasse em plenário, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) foi escolhido para apresentar uma proposta única, fundindo dois projetos diferentes em tramitação na Casa. Um deles é o de Jucá. O outro é o do Código Penal. Caberá a Eunício apresentar o chamado substitutivo.

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Ciente da queda de braço a respeito da possível punição a manifestantes, o senador do PMDB deve apresentar um texto mais conciso, inspirado nas resoluções internacionais sobre terrorismo, às quais o Brasil aderiu, e que têm como objetivo principal evitar as ações de organizações estrangeiras. A ideia dele é evitar ambiguidades e voltar o projeto ao combate a grupos terroristas “tradicionais”. O peemedebista afirma que sua proposta não servirá, por exemplo, para tipificar os atos do MST. Segundo ele, mesmo quando age com violência, como em um protesto realizado em Brasília há duas semanas, o movimento não pode ser visto como terrorista. “O MST não praticou terrorismo. Praticou baderna aqui em Brasília e, no dia seguinte, foi recebido pela presidente da República”, diz o senador.

Mas o PT não parece confiar na iniciativa de Eunício: a bancada do partido tenta fazer avançar outra proposta, apresentada pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE). “Tem que ficar absolutamente claro que terrorismo é aquilo que representa, de fato, uma ameaça ao Estado, e ao regime democrático que leve a uma risco de ruptura. Não podemos pegar as manifestações sociais e classificar como o terrorismo”, diz o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

Eunício diz que os temores de que sua proposta se aplique a manifestantes são descabidos: “Isso é discurso. Eu fui líder estudantil e fui de movimentos de rua. Quando havia canhões apontando para a gente. Jamais eu me prestaria ao papel de interferir nisso”.

O senador Pedro Taques (PDT-MT) também diz acreditar que o texto de Jucá precisa ser alterado para evitar interpretações dúbias: “Nós temos que entender que as manifestações representam um direito do cidadão. Não podemos confundir terrorismo com manifestação, nem vandalismo com terrorismo”.

Assim, a lei de terrorismo não servirá para punir nem os manifestantes pacíficos, nem os violentos. O governo deve enviar ao Congresso uma proposta específica para punir os Black Blocks e outros grupos de vândalos, e a comissão de segurança do Senado já discute proposições do mesmo teor. Uma delas, sugerida pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, trata de atos de vandalismo e de depredação durante protestos.

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Legislação antiga – O único dispositivo atual que cita o terrorismo é a Lei de Segurança Nacional, criada ainda durante a ditadura e pouco utilizada pelas autoridades hoje em dia. No Brasil, durante a ditadura, a acusação de terrorismo era frequentemente utilizada contra militantes políticos que não pegavam em armas. Ainda hoje, é comum em países de viés autoritário, como Cuba, prenderem opositores sob essa acusação. Nos Estados Unidos, a atual legislação antiterrorista em vigor foi aprovada após os ataques de 11 de setembro. As normas não tratam apenas da punição aos criminosos que promovem atentados – e que podem ser condenados à morte -, mas também estabelecem métodos diferenciados de investigação. Alguns dos dispositivos do chamado Patriot Act são criticados por concederem ao Estado um poder desproporcional.

Independentemente dos excessos, o combate ao terror exige uma estrutura de Estado capaz de enfrentar o problema de forma eficaz – o que não deve ser tema da legislação do Brasil. Para Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Relações Internacionais, a criação de uma lei que aborde apenas a punição aos terroristas é insuficiente. “No Brasil, só se age depois que a porta está arrombada. Aqui, se tenta resolver só uma parte do problema e não o sistema como um todo”, analisa ele.

O debate sobre o projeto expõe a complexidade do debate: leis genéricas demais podem ser aplicadas de forma distorcida. Leis muito específicas podem ser insuficientes para enfrentar o terrorismo internacional.

Enquanto o debate não avança, o relógio corre. A três meses e meio da Copa do Mundo, a nova proposta – seja ela qual for – ainda precisará tramitar pela Câmara dos Deputados antes de entrar em vigor. Caso o Congresso não chegue a um acordo, o Brasil sediará o maior torneio esportivo do mundo sem ter um instrumento legal para punir terroristas.

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