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Gregório Duvivier: A direita brasileira é “infinitamente mais cômica”

Comediante define o presidente Jair Bolsonaro como “bufão” e fala que a esquerda "também é e sabe ser ridícula"

Por Fernanda Thedim e Bruna Motta
Atualizado em 4 jun 2024, 15h54 - Publicado em 30 ago 2019, 07h40

O humorista carioca Gregório Duvivier, 33 anos, é de esquerda, fuma maconha, tuíta sem parar e não foge de uma polêmica — muito pelo contrário. Dessa postura diante da vida vem sua coleção de desafetos, na qual figura com destaque o presidente Jair Bolsonaro, que ele vê como “um ser humano com problema cognitivo muito sério”. Arrisca até uma explicação: “Talvez seja culpa do mercúrio em que mexia quando fazia garimpo ilegal. Mercúrio causa sequelas”. Embora tenha a direita como alvo preferencial, não poupa de críticas os companheiros da esquerda, que a seu ver falam “não” demais e propõem muito pouco. Formado em letras pela PUC­-Rio, Duvivier começou no humor aos 17 anos, em um espetáculo de improviso, e se tornou conhecido no Brasil todo como integrante do Porta dos Fundos, impagável canal do YouTube com mais de 16 milhões de inscritos. Fazendo uma pausa nas muitas atividades, que incluem um programa semanal na HBO e os preparativos para a estreia em outubro — em um papel dramático com cenas de nudez — de seu 25º filme, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (o candidato do Brasil ao Oscar), Duvivier falou a VEJA sobre humor e política no Brasil.

O senhor vem travando batalhas digitais com o presidente Bolsonaro. Isso tem graça? Graça zero. Gostaria que o presidente se ocupasse mais de seu trabalho no lugar de ficar trocando mensagens com humorista. Um dia desses disse isso a ele via Twitter. Bolsonaro tinha se referido aos governadores do Nordeste como paraíbas. Cutuquei: “Prove sua popularidade na rua dando um passeio entre os ‘paraíba’ ”. A resposta dele foi um vídeo, em que é ovacionado na Bahia. Isso não cola. Aproveitei e dei o recado: “Vai trabalhar, presidente”.

Bolsonaro é engraçado? Ele quer ser. Nada justifica suas falas senão uma tentativa de fazer piada. Mas é aquela graça à moda antiga. Os saudosistas do humor do passado estão muito bem servidos com o presidente. Bolsonaro é bom de meme, de viralizar declarações e de tirar a atenção do que interessa de verdade.

Os bolsominions costumam deixar comentários em suas redes sociais? Juro que não leio. Não tomar contato com a parte mais estridente do eleitorado de Bolsonaro foi a maneira que encontrei de permanecer são.

O senhor percebe em algum dos filhos do clã presidencial pendor para o humor? Embora goste da sintaxe doentia do Carluxo, o melhor talvez seja Eduardo falando inglês. Olha, está duro para os humoristas de hoje superar o anedotismo da realidade brasileira.

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“O presidente cancela reunião diplomática e vai cortar o cabelo e faz piada de pinto pequeno com fã japonês. Tem seu público, uma turma que acha graça de escatologia e fratura exposta”

Pode definir esse humor de antigamente reavivado por Bolsonaro? Há uns quinze anos, quando comecei, os alvos dos humoristas eram os mesmos da polícia. Ria-se de pobres, negros, nordestinos, homossexuais. Para o bem geral da nação, isso mudou. Não é que não se podem mais fazer piadas desse tipo; elas só não têm mais a graça que tinham. Essa foi uma porta arrombada pelas minorias.

O politicamente correto reprime o humor em algum grau? Não. Ao contrário: ele obriga o humorista a encontrar caminhos mais inteligentes para fazer rir. Nosso trabalho ficou certamente mais duro na era do politicamente correto, mas ninguém escolhe fazer humor porque é fácil.

Sendo declaradamente de esquerda, o senhor às vezes cai na armadilha de enviesar ideologicamente suas piadas? Navego em todos os matizes ideológicos. Apesar de me identificar com a ideologia da esquerda, isso não me impede de rir dela. Em um vídeo do Greg News, dizemos que a direita não sabe fazer hambúrguer e que a esquerda não sabe fazer autocrítica. Claro que eu acho a nossa direita infinitamente mais cômica, mas isso não me impede de rir da esquerda. Ela também é e sabe ser ridícula.

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Por que a direita é mais cômica? O presidente cancela reunião diplomática para fazer live cortando cabelo. Acena com um emprego de embaixador dos Estados Unidos para o Eduardo Bolsonaro e, quando questionado, diz: “É claro que vou guardar o filé­-mignon para os meus filhos”. Faz piada de pinto pequeno com um fã japonês. Ele tenta ser um clown, só que é um bufão. E tem o seu público, uma turma que acha graça de escatologia e fratura exposta.

Por que o senhor diz que a esquerda é ridícula? Ela é ridícula ao tentar não ser. Cada vez que vai desmentir uma fake news, piora ainda mais a situação. Explicar que não existe a tal mamadeira de piroca que seria distribuída nas escolas na hipótese de um governo petista, notícia falsa que circulou nas eleições presidenciais, é ainda mais ridículo do que inventar que existe algo assim no planeta. Essa é a armadilha do humor bufão: ele arrasta todo mundo para o seu nível. E o outro lado frequentemente se dá mal.

Qual é a autocrítica que falta à esquerda? A esquerda não propõe nada. Só lança frases de efeito como “Ele não”, “Fora Temer”, “Fora Bolsonaro”, “Não vai ter Copa”, “Não vai ter golpe”. Tudo tem um não. O que eles querem? A esquerda não tem uma proposta que não seja uma negação de outra proposta. Um exemplo: disseram não à reforma da Previdência, mas não apresentaram nenhuma solução. Perderam a chance de apontar um caminho. O jogo hoje se inverteu: a direita está propositiva e a esquerda, só combativa. Agora, vamos combinar que a parcela da população realmente apegada a essa ideia de esquerda e direita é muito pequena.

Como assim? Não acho que a maioria das pessoas que votaram em Bolsonaro seja de direita, assim como a grande parcela das que votaram no Lula não era de esquerda. Muita gente não leva em conta a ideologia na hora de votar. Presta mais atenção em informações instantâneas, nem sempre verdadeiras, e na repulsa a um ou outro candidato. Na minha opinião, classificar todo eleitor de Bolsonaro como de direita é um erro estratégico da esquerda.

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Em seu canal de vídeos no YouTube, o Porta dos Fundos, há sátiras pesadas a religiões. Isso pode? Para mim, o critério é o seguinte: se a pessoa, se a instituição que está na mira da minha piada consegue rebater na mesma moeda, sigo em frente. No caso das religiões que a gente satiriza — católica, evangélica —, elas têm força política e financeira. Sabe por que eu zombo do Bolsonaro? Porque ele tem um canal de comunicação potente para responder. Antes de atirar, sempre me pergunto se estou chutando cachorro morto ou passando a mão na bunda do guarda.

Já se arrependeu de alguma piada? De várias. Uma vez, vim com uma que fazia referência à mulher do Pedro Paulo (deputado federal, DEM-­RJ), que tinha dado queixa contra ele por agressão. Eu disse: “O Rio de Janeiro apanhou mais que a mulher do Pedro Paulo”. Acho que foi uma piada machista e me retratei. Só que quando você volta atrás acaba sendo odiado pelos dois lados.

O senhor conta com um vasto rol de desafetos na política, incluindo aí o deputado Marco Feliciano, o pastor Silas Malafaia e o ministro Sergio Moro. Tem orgulho da lista? O papel do humorista é constranger, e isso incomoda mesmo. Se eu não incomodasse, estaria fazendo algo errado. Quem me ensinou isso foi o Millôr Fernandes (1923-2012). Nunca estive alinhado ao poder. Atuo sempre na oposição. Se esses caras estivessem me compartilhando nas redes, aí sim estranharia.

“Foi só depois do sucesso no YouTube que passaram a nos procurar para atuar na TV. Aí não fazia mais sentido. A aposta do futuro é a internet, onde temos toda a liberdade”

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O humorista Danilo Gentili foi condenado à prisão por injúria contra a deputada Maria do Rosário. O senhor tem medo de ser processado? Apesar de a piada do Danilo ter sido de extremo mau gosto (xingou a deputada de “falsa”, “nojenta” e passou o processo nas partes íntimas), eu me manifestei a favor dele. Calúnia e difamação são crime, mas ofensa não. O problema no Brasil é que as pessoas não conseguem entender essa diferença elementar. Por isso vou defender a piada e a liberdade de expressão até a morte. Apesar de não ser amigo do Gentili, fico muito incomodado com a forma como a esquerda o coloca no papel de inimigo.

Gosta do humor que ele faz? Ele tem seu público. Mas, para o meu gosto, já passou o tempo de piada do tipo do tio que pergunta: “É pavê ou pra comer?”.

O Porta dos Fundos abarca humoristas de diferentes pendores ideológicos. Sai muita briga? É verdade que tem gente ali de variados espectros políticos, só que todo mundo está dentro do campo democrático. Não tem terraplanista, nem criacionista, nem bolsonarista. Discordamos o tempo inteiro, mas nunca no essencial. É isso que torna as discussões possíveis.

A internet foi decisiva para o humor no Brasil? Sem dúvida. Antes dela, o mundo do humor era regido pela audiência e pela visão dos executivos da televisão. Com a internet, a decisão passou a ser do público. Isso abriu espaço para estilos diferentes, deu lugar à diversidade, e o humor avançou. Apresentamos o Porta dos Fundos a uma meia dúzia de canais de TV, e ninguém viu graça. Foi só depois do sucesso no YouTube que passaram a nos procurar para atuar na televisão. Mas aí não fazia mais sentido. A aposta do futuro é a internet, onde temos toda a liberdade.

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Os humoristas ainda são vistos como artistas de segunda classe na TV brasileira? São, e isso tem a ver com uma percepção geral de que o humor é supérfluo. Só que, apesar do preconceito, nossos melhores atores são comediantes. A Fernanda Montenegro, por exemplo, faz drama de forma magistral, mas é comediante de formação e a maior referência para todos nós. A melhor comédia, aliás, é aquela que flerta com o drama, como Woody Allen faz tão bem.

Como era o humor que predominava na TV na era pré-internet? Anedótico, caricatural, carregado nas tintas. Qualquer coisa que fugisse disso era tratada como “humor inglês”, difícil. Subestimava-se o espectador. Ouvimos diversas vezes: “O brasileiro não vai conseguir entender isso”. Havia quem conseguisse ser autoral dentro dessa máquina — Os Normais, Os Aspones, TV Pirata, Vida ao Vivo são exemplos. Mas a única porta de entrada que praticamente se abria aos novatos era a do bordão, em geral reciclado do rádio, que por sua vez tinha sido reciclado do teatro de revista. O gênero do bordão segue firme e forte, e tem o seu valor, mas hoje jovens humoristas podem mostrar que dá para rir de outro jeito. Não é bom?

Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650


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O ator e comediante Fábio Porchat, que ganhou fama com o Porta dos Fundos, fala de seu novo talk show, de polarização política, de Bolsonaro, Anitta, e até da Amazônia.

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