Os bastidores da campanha acirrada por duas vagas no STJ
Quinze desembargadores dos cinco tribunais regionais federais movimentam apoiadores de peso
Criado em 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é encarregado de uniformizar no país a aplicação das leis federais. Passam por ali decisões que mexem com a vida de todos nas áreas econômica (disputas entre grandes empresas, por exemplo), criminal (itens como regras para as delações premiadas fazem parte do escopo), ambiental, de saúde e de costumes. Além disso, o STJ julga recursos que chegam dos estados e ações contra governadores. Mas, diferentemente de outros tribunais superiores — incluindo o STF, para onde as indicações são feitas livremente pelo presidente —, a Constituição deu aos 33 ministros do STJ uma prerrogativa ímpar: escolher quem serão seus futuros colegas por meio de eleição interna. É elaborada uma lista dos mais votados, entre os quais o presidente indica um nome, que é depois submetido ao Senado.
Esse sistema faz com que a escolha de novos ministros passe sempre por uma campanha renhida entre os candidatos. A disputa atual já entrou para a história pela temperatura inédita que tem movimentado os corredores de Brasília nos últimos meses. Com a aposentadoria dos ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Nefi Cordeiro, em dezembro de 2020 e março de 2021, ficaram abertas duas vagas. Quinze desembargadores dos cinco tribunais regionais federais (TRFs) se inscreveram para um assento na Primeira Turma, que julga matérias de direito público, e outro na Sexta Turma, que julga crimes. Os quatro mais votados irão para a lista, e Bolsonaro escolherá dois.
Alguns favoritos já despontam no horizonte. Com seis nomes na disputa, o TRF-1 (Brasília) tem dois realmente competitivos: Ney Bello, que é visto com vantagem, transita bem entre os meios jurídico e político e conta com o apoio do ministro do STF Gilmar Mendes; e Carlos Brandão, apontado como próximo do também ministro do Supremo Kassio Nunes Marques e piauiense como ele. Outro nome citado em algumas rodas é o da desembargadora Daniele Maranhão, antiga na carreira e mulher — o que ajudaria a diversificar a lista. Visto como azarão, o TRF-4 tem cinco desembargadores inscritos, dos quais três foram da Lava-Jato. João Gebran, Leandro Paulsen e Victor Laus julgaram em Porto Alegre os recursos contra as decisões de Sergio Moro, mantendo-as na maioria das vezes. Num momento de revisão da operação, essa característica diminui as chances deles na disputa. Uma candidatura mais neutra ali é a de Fernando Quadros da Silva, que, para observadores do processo, pode chegar entre os mais votados.
Único nome do TRF-3, sediado em São Paulo, Paulo Sérgio Domingues figura em todas as bolsas de apostas. Ele tem a simpatia de boa parte da bancada paulista do STJ, com destaque para o ministro Antonio Carlos Ferreira, benquisto na Corte. Além de ter conseguido unir as forças paulistas, Domingues presidiu de 2002 a 2004 a Ajufe, a poderosa associação dos juízes federais que tem grande entrada nos gabinetes da capital. Como a elaboração da lista costuma levar em conta critérios regionais, incluindo representantes do maior número possível de TRFs, a situação do TRF-2, com sede no Rio, é mais complicada. Há dois candidatos, Aluisio Mendes e Messod Azulay Neto, cada qual com um apoiador de peso. Mendes é a aposta do presidente do Supremo, Luiz Fux. O ministro considera que Mendes tem o melhor currículo, mas assegura que não interfere no STJ. Do outro lado, Azulay tem obtido apoio interno no STJ, sobretudo na bancada fluminense, e tem como aliado o ministro Luis Felipe Salomão, influente entre seus pares.
A situação que deixou Fux e Salomão em lados opostos, uma raridade, pode ter contribuído também para o movimento mais recente nessa corrida, que foi a decisão do plenário do STJ, na terça-feira 1º, de adiar a eleição, que estava marcada para o próximo dia 23, passando-a para 12 de maio. A justificativa foi o aumento dos casos de Covid-19. Na verdade, a prorrogação dá mais tempo para que os padrinhos operem nos bastidores. Afinal de contas, em três meses muita coisa pode mudar. Na nova data, em maio, devem começar também as conversas para eleger o próximo presidente do STJ, que sucederá em setembro o atual, Humberto Martins (pela tradição, será escolhida a ministra Maria Thereza de Assis Moura).
E o processo todo talvez atrase ainda mais. Uma ala da Corte espera que, nesse contexto de troca de comando, a eleição dos novos membros do STJ seja postergada novamente, ficando para o segundo semestre. Em setembro, Fux também deixará o comando do STF. Assim, se prosperar a ideia de deixar a definição do STJ para o segundo semestre, diminuirá a influência tanto de Fux como de Martins na escolha dos novos ministros. Martins, aliás, apoia Cid Marconi, do TRF-5 (Recife). Pesa contra ele o fato de não ser juiz de carreira (veio da advocacia) e estar há pouco tempo na magistratura. Já o próprio Martins é alvo de críticas por um suposto alinhamento com Bolsonaro. Setores do STJ já comentam nos bastidores que o ideal mesmo seria postergar o processo de escolha até 2023, o que tiraria do presidente, caso ele não se reeleja, o poder sobre as indicações. Mas essa hipótese ainda é muito improvável (não pelo resultado da eleição, diga-se). Certo mesmo é que teremos mais três meses de articulações intensas para as vagas do STJ. Foi dada a largada.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775