Figurões da política tentam voltar ao poder nas eleições municipais
Nomes que já estiveram no centro do poder vislumbram uma oportunidade para recomeçar
Anthony Garotinho ingressou na política depois de uma carreira de sucesso como radialista em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro. Foi prefeito da cidade por duas vezes, deputado federal, governador do estado e, em 2002, candidato à Presidência da República, ficando em terceiro lugar, com 15 milhões de votos — o ápice de uma trajetória controversa. Depois disso, ele foi considerado inelegível pela Justiça. Foi preso uma vez, acusado de operar um esquema de compra votos. Foi preso uma segunda vez, após uma suposta tentativa de obstruir as investigações. E foi preso uma terceira vez, denunciado por receber propina disfarçada de doação de campanha. Diante dos percalços, fez greve de fome, se disse perseguido e responsabilizou os adversários por sua situação. Em maio passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou sua condenação a treze anos e nove meses de prisão por corrupção eleitoral, associação criminosa, supressão de documento público e coação. Em princípio, encontra-se proibido de disputar eleições.
O ex-governador, no entanto, está em campanha. Depois de passar pelo PCB, PT, PDT, PSB, PMDB, PR, PRP, Patriota, PROS e União Brasil, recentemente ele se filiou ao Republicanos, onde encontrou abrigo para tentar voltar ao palco político. Garotinho pretende disputar uma cadeira na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro em outubro. “A humildade é o caminho que descendo nos leva a lugares altos”, escreveu ele nas redes sociais, ao comentar a intenção de concorrer a um cargo de pouca estatura se comparado aos que ele já exerceu. “Eu não acho que ser vereador é uma tarefa menor. Depende do que você se propõe”, disse a VEJA, ressaltando, sem muita humildade, que sua popularidade deve puxar pelo menos mais sete vereadores de sua legenda. Antes, porém, o ex-governador precisará encontrar uma saída para a inelegibilidade. Mas ele se diz confiante: “Esse é um processo antigo, de 2016, e já há precedentes que me favorecem”. Caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final — e não apenas no caso de Garotinho.
Em situação parecida, outro ex-figurão da política fluminense também tem planos de recomeçar. Aos 69 anos, Luiz Fernando Pezão (MDB) está em campanha para disputar a prefeitura de Piraí, município de pouco mais de 29 000 habitantes, distante cerca de 100 quilômetros da capital. Em 2017, quando exercia o cargo de governador do Rio de Janeiro, ele foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral por suposto abuso de poder econômico durante a campanha. Além disso, foi preso e acusado de receber 30 milhões de reais de recursos desviados da Petrobras. Bem ao seu estilo, Pezão tem comparecido a festas, frequentado bares e se dedicado a articulações com lideranças locais para assegurar uma vitória fácil. Afinal, perder em sua cidade natal seria um vexame. Ainda inelegível, o ex-governador aguarda uma decisão favorável da Justiça, mas já conseguiu garantir o apoio de dez partidos, entre eles o PT. “Eu adoro minha cidade e quero trabalhar de novo por ela”, disse ele, que comandou Piraí por dois mandatos consecutivos no fim da década de 90.
As eleições municipais podem ressuscitar antigos expoentes da política nacional. Primeiro senador a ser preso no exercício do mandato, Delcídio do Amaral, 69 anos, vai concorrer à prefeitura de Corumbá, município que fica na divisa entre Mato Grosso do Sul, Paraguai e Bolívia. Ele já anunciou seu plano de governo: “Quero tornar minha cidade opulenta e rica, como ela foi no início dos anos 1900”. O ex-senador era uma estrela em ascensão do PT, até ser acusado por um dos delatores da Operação Lava-Jato de tentar obstruir as investigações e receber propina. Em seguida, mentiu ao Ministério Público, numa delação absolutamente fantasiosa. Seu mandato também foi cassado. “Pretendo voltar para a política depois da excrescência jurídica que fizeram comigo”, disse ele, numa lógica bem particular. Em 2022, Delcídio tentou retornar ao Congresso como deputado federal, mas obteve míseros 18 000 votos. Numa pesquisa divulgada no fim do ano passado, o ex-senador apareceu em quarto lugar. Ele afirma que o seu partido, o PRD, tem em mãos pesquisas mostrando que hoje ele já estaria em segundo, mas, fiel ao seu estilo, não revelou a origem do levantamento.
Há casos em que a conveniência “rebaixa” certos políticos. O ex-deputado Major Vitor Hugo (PL), por exemplo. Ex-líder do governo do Bolsonaro na Câmara, o parlamentar disputou o governo de Goiás em 2022, com o apoio do ex-presidente, mas nem sequer conseguiu chegar ao segundo turno. Agora, ele vai concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores de Goiânia. “Meu partido entendeu que eu contribuiria melhor assim e o presidente Bolsonaro me pediu e orientou que assim o fizesse também”, explica o ex-deputado. Na direção contrária, o ex-governador Roberto Requião se negou a aceitar a orientação de seu então partido, o PT, que queria lançá-lo como candidato a vereador de Curitiba (PR). “O PT fez uma aliança com a extrema direita”, acusa o ex-governador, que deixou o partido para se candidatar a prefeito da capital paranaense pelo Mobiliza. Em certas situações, disputar um cargo menor pode até ser uma estratégia, como diz o Major Vitor Hugo. Para Garotinho, Pezão, Delcídio e outros, porém, a eleição municipal é uma oportunidade de voltar à política, mesmo que pela porta dos fundos.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900