Ao encerrar o seu depoimento, de cerca de duas horas, perante o juiz Sergio Moro, o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci “pediu licença” para dizer que está à disposição da Justiça para “falar sobre tudo”. Mais especificamente, afirmou que pode entregar fatos, “com nomes, endereços e operações de interesse da Lava Jato”.
“Fico à sua disposição. Todos os nomes que optei por não falar aqui por sensibilidade da informação estão à sua disposição para o dia que o senhor quiser. E se o senhor estiver com agenda muito ocupada e determinar uma pessoa, eu imediatamente apresento todos esses fatos, com nome, endereço, operações realizadas e coisas que certamente vão ser do interesse da Lava Jato, que realiza uma investigação de importância”, afirmou o petista, acrescentando que as informações podem abrir um “caminho” que pode render mais um ano de trabalho a Moro. “Mas um trabalho que faz bem ao Brasil”, completou.
A declaração do homem forte dos governos petistas acontece num momento em que crescem os rumores de que ele esteja negociando um acordo de delação premiada com a força-tarefa da Operação Lava Jato. Durante o interrogatório, ele deu sinais do que pretende contar aos investigadores. Citou, por exemplo, uma “grande personalidade do meio financeiro” que lhe procurou para falar sobre recursos de campanha em nome de “uma autoridade do primeiro escalão do governo”. Ele ressalvou, no entanto, que não poderia revelar os nomes por estar em uma audiência pública. “Mas, em sigilo, eu lhe falo a hora que o senhor quiser”, disse a Moro.
Também deu a entender que tem conhecimento de irregularidades praticadas em outros setores da economia que não o petroquímico, como o de comunicação, frigoríficos e da construção civil. Ele ainda ironizou a percepção geral de que “todos os governos, [inclusive o do qual ele integrou], trabalharam só em função da Odebrecht”.
Palocci está preso em Curitiba desde setembro de 2016, quando foi alvo da 35ª fase da Lava Jato, a Omertà. Ele é acusado formalmente de corrupção e lavagem de dinheiro por ter, segundo a procuradoria, atuado em favor da Odebrecht nas tratativas da Medida Provisoria 460, na operação de navios-sondas da Petrobras e na liberação de financiamento do BNDES em obras em Angola em troca de propinas pagas ao PT.
Apesar de se mostrar disposto a revelar novos casos, Palocci foi enfático em negar todos os atos ilícitos pelos quais é acusado. Explicou que era comum os empresários o procurarem para fazer doações ao partido, mas que os orientava a entrar em contato com os tesoureiros. Ele apenas “reforçava” alguns pedidos junto ao empresariado se houvesse emergência de pagamentos, conforme o depoimento. “Nunca pedi recursos para empresas enquanto ministro. Nunca pedi recursos para sondas. Nunca pedi recursos fora do Brasil. E nunca pedi ou operei caixa dois”, afirmou.
Palocci enfatizou a Moro que não seria hipócrita de dizer que não houve pagamento de caixa dois nas campanhas petistas, mesmo que as contas tivessem sido aprovadas pelos tribunais eleitorais — justificativa dada pela maioria dos políticos suspeitos do delito. “É preciso dizer a verdade. O senhor sabe que nas campanhas do Brasil existia o pagamento não contabilizado de forma generalizada. Não vou ser hipócrita de dizer que nunca vi, que não sabia”, disse. Moro, então, lhe perguntou se isso incluía o PT. “Eu digo de todos o partidos. Essa é uma situação mais do que óbvia e conhecida por todos”, respondeu ele.
No depoimento, o ex-ministro também tentou convencer o juiz de que não é o “Italiano” nem o “Itália”, codinomes que aparecem nas planilhas de contabilidade da Odebrecht associados a valores. “Ninguém me chamava assim. Italiano pode ser eu como 40 milhões de brasileiros”, ironizou.
Sobre o seu relacionamento com a Odebrecht, ele confirmou que manteve contato estreito com a empreiteira desde o fim da década de 90, quando foi prefeito de Ribeirão Preto. “Eles tinham muito interesse em conhecer o PT”, disse. Segundo ele, os seus principais interlocutores na empresa eram Emílio e Marcelo Odebrecht (pai e filho), pontuando o estilo diferente de cada um no comando da holding. “Enquanto, com Emílio, tínhamos uma empresa que discutia cenários amplos, de Brasil e mundo a longo prazo, o Marcelo era um guerrilheiro das causas da empresa, olhava projeto por projeto. Se em três reuniões com o seu Emílio, não se tratava de um assunto sequer da empresa; com o Marcelo, em dez minutos se tratava de cinco ou seis temas de interesse da companhia”, relatou.
Palocci foi ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff (2011), ministro da Fazenda da gestão Lula (2003 a 2006), e deputado federal por dois mandatos.