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“Eu era fã da Lava-Jato”, diz hacker que vazou mensagens de Moro

Walter Delgatti Neto celebra decisão do STF a favor de Lula no acesso aos diálogos, diz que ainda há muito material inédito e planeja entrar para a política

Por Tatiana Farah Atualizado em 4 jun 2024, 13h44 - Publicado em 12 fev 2021, 06h00

A sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que concedeu, na terça 9, ao ex-presidente Lula o acesso às mensagens da Lava-­Jato apreendidas na Operação Spoofing, em 2019, teve um espectador atento. Na noite anterior, a ansiedade impediu que ele pregasse os olhos na casa onde mora com a avó, em Araraquara, a 250 quilômetros de São Paulo. No fim do dia, Walter Delgatti Neto, 31 anos, o hacker responsável por vazar as conversas que deixaram em má situação a força-tarefa de Curitiba e o então juiz Sergio Moro, comemorou: por 4 votos a 1, os ministros decidiram a favor do petista.

Operação Lava Jato

A tensão se justificava, ao menos na sua óptica particular: para ele, a decisão conta pontos a favor da autenticidade do material e pode ajudar em sua defesa. Delgatti responde, com outros três réus, por organização criminosa, lavagem de dinheiro e crimes cibernéticos. Por isso, um dos momentos que mais celebrou foi o voto de Gilmar Mendes. “Se os diálogos não existiram, os hackers de Araraquara são uns notáveis ficcionistas, já que escreveram tudo isso”, disse. Solto pela Justiça em outubro de 2020, após um ano e dois meses de prisão provisória, ele tem a vida restrita, mas ainda assim ostenta uma certa euforia e se vê como o “personagem principal” do crepúsculo da Lava-Jato.

Mas sua relação com a operação não foi sempre assim. Ele conta que era um admirador da investigação e revela que invadiu o Telegram de Deltan Dallagnol porque se identificou com o procurador após assistir a uma palestra numa universidade em Ribeirão Preto. Delgatti, estudante de direito — e já hacker —, diz que queria se informar sobre as investigações citadas e, ao entrar na conta, descobriu que o procurador não eliminava nenhum arquivo. “Eu era fã. Mas, assim que entendi a manipulação deles, eu me senti enganado. Vi que a Lava-Jato era mais política do que jurídica.”

A QUEDA - Operação Spoofing: prisão ocorreu em julho de 2019 -
A QUEDA - Operação Spoofing: prisão ocorreu em julho de 2019 – (Daniel Marenco/Agência O Globo)

Para ele, no entanto, os golpes sofridos pela operação ainda estão longe do fim. O conteúdo apreendido pela Polícia Federal ocupa mais de 7 terabytes e ainda é uma incógnita. Para se ter uma ideia, o que foi cedido por Delgatti ao site The Intercept Brasil somava 56 gigabytes, ou seja, menos de 1%. “Eu acredito que o material todo tem poder para anular toda a Lava-Jato, sem dúvida”, disse ele a VEJA, sem entrar em detalhes a repeito de quais possíveis bombas ainda estariam guardadas.

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A euforia momentânea contrasta com a sua rotina diária. Além da tornozeleira, Delgatti não pode sair da cidade sem permissão judicial. Em razão das restrições, não consegue trabalhar. Vive da aposentadoria da avó, com a ajuda do irmão e dos advogados. Antes da prisão, morava em um apartamento alugado em Ribeirão Preto, com um BMW e um Land Rover na garagem — o primeiro foi devolvido à financeira e o segundo, apreendido. Diz apenas que ganhava dinheiro com games na internet e ajudando os colegas com trabalhos acadêmicos. Hoje reclama muitas vezes de não ter dinheiro para tomar uma condução. O único valor que disse ter ganhado nesses dias foi um cachê pela colaboração ao documentário do cineasta José Padilha sobre a Vaza-Jato — ele não revela o valor, mas diz ainda não ter data para receber o dinheiro.

Apesar da situação em que se encontra, Delgatti traça planos. Com problemas de dicção, faz sessões de fonoaudiologia e prepara uma candidatura a deputado federal em 2022. Quer se filiar a uma legenda de esquerda, apesar de reclamar de ter sido abandonado pelos partidos desse espectro político, ao qual acredita ter ajudado. Apesar dos processos, pode se candidatar por não ser condenado em segunda instância e não estar vetado pela Lei da Ficha Limpa. “Ele poderá ser candidato até porque dificilmente esse julgamento será antes das eleições”, afirma o advogado Ariovaldo Moreira. O plano parece pouco factível, assim como era há alguns anos a possibilidade de um pequeno criminoso do interior paulista colocar nas cordas uma parte importante da Justiça brasileira. E, convenhamos, no Congresso Nacional, que tem tradição em ter em suas cadeiras dezenas de parlamentares na condição de réus, não seria de estranhar a chegada do hacker confesso.

Publicado em VEJA de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725

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